Jonathan Wilson escreveu recentemente em sua excelente série "The Question" sobre a possibilidade do retorno do líbero ao futebol. O líbero é uma posição que teve êxito como o "jogador da sobra" numa defesa de três zagueiros contra dois atacantes. Hoje temos defesas de dois zagueiros contra um atacante; deveria um desses zagueiros ser o líbero?
A ideia é música para os ouvidos de quem tem boas lembranças da Euro 96. O melhor jogador do torneio foi Matthias Sammer, líbero do 3-4-1-2 usado pela campeã Alemanha. Além de ser o jogador mais importante da defesa, dando segurança atrás dos dois volantes, ele também tinha permissão para subir ao ataque e acabou marcando (com bola rolando) em mais de uma ocasião.
Matthias Sammer, um líbero clássico
Talvez o sucesso alemão na Euro 96 foi o que causou a obsessão com defesas de três zagueiros na Inglaterra em meados e no final dos anos 90. Porém, hoje isso é coisa do passado na maior parte da Europa e certamente também é na Premier League. Em contraste com o Brasil, onde muitas equipes jogam com três zagueiros.
Então, contra um único atacante, um dos zagueiros tem, em teoria, liberdade pra atacar. Foi assim com o Arsenal na última temporada, onde William Gallas e Thomas Vermaelen frequentemente subiam ao ataque. Foi demonstrado também na partida de ida das quartas-de-final da UCL entre Bayern Munique e Manchester United, onde o zagueiro Martin Demichelis subia até o meio-campo. Quando Sir Alex Ferguson colocou Berbatov na partida, alguns acreditaram que foi principalmente para forçar o argentino de volta à sua posição de origem.
Mas a verdade é que é suicídio deixar sua defesa com apenas um zagueiro (veja o erro de Vermaelen na derrota do Arsenal para o Manchester United no início do ano), particularmente se o atacante adversário é mais rápido e consegue se mover pelas laterais antes de deixar pra trás o marcador. Considerando o quanto as formações com um atacante são populares hoje, ainda é muito raro ver um zagueiro deixando sua posição pra subir ao ataque - é simplesmente arriscado demais.
O mais provável é que o equivalente ao líbero nos próximos anos seja um volante recuando para a linha de trás, com os zagueiros abrindo pelos lados - ao invés de um zagueiro avançando para o meio-campo. Já nos referimos a esse jogador como "centromédio" [centre-half em inglês] (veja Carsten Ramelow no Bayer Leverkusen, por exemplo), tamanha é a semelhança com a função do centromédio "original", que se movia permanentemente do centro do meio-campo para o centro da defesa.
As vantagens? A área ocupada pelos jogadores aumenta nas laterais do campo, o que facilita a manutenção da posse de bola e dificulta a marcação dos espaços para o adversário. Também é criada uma situação difícil para o adversário em relação à escolha dos jogadores.
Existem dois interessantes exemplos modernos em ação - e, não por coincidência, eles envolvem o melhor time do mundo e (possivelmente) a melhor seleção do mundo.
Nas últimas duas temporadas, o Barcelona jogou em um sistema onde o meio-campista mais recuado (Yaya Toure ou Sergio Busquets) voltava para o centro da defesa, enquanto os zagueiros, Gerard Pique e Carles Puyol, ficavam abertos bem perto das laterais enquanto o Barcelona tinha a posse de bola. Isso permitia aos laterais, Daniel Alves e Eric Abidal/Maxwell, apoiarem o ataque sem medo de deixar a defesa exposta.
De forma parecida, no Brasil de Dunga, Gilberto Silva recuava para a defesa (para a direita ou no meio dos dois zagueiros), permitindo que Maicon e Michel Bastos subissem ao ataque.
O diagrama abaixo mostra como uma mudança de quatro para três zagueiros pode encurralar o adversário. O problema de ter laterais ofensivos é que eles nunca estão totalmente livres pra atacar, por terem que se preocupar também com a defesa, especialmente com a tendência dos times usarem seus jogadores mais criativos como wingers. Com a segurança de uma defesa com três zagueiros, eles podem ir ao campo de ataque sem deixar um buraco às costas.
Como uma defesa de quatro jogadores evolui e passa a ter três zagueiros
Uma parte essencial dessa mudança de posições no time amarelo é a movimentação dos jogadores abertos pelas pontas. Ao invés de continuarem abertos (o que atrapalharia o apoio dos laterais), eles centralizam e formam quase um trio de atacantes convencional. Isso acaba reduzindo a área de defesa do time branco, já que os seus marcadores naturais (os laterais) vão segui-los até o centro.
Consequentemente, um espaço é aberto nos flancos, o que os laterais podem explorar. Isso causa um problema para a equipe branca: seus meio-campistas que jogam abertos precisam marcar os laterais adversários, o que faz com que eles recuem praticamente até a linha de defesa, formando algo parecido com uma linha de seis defensores.
Além disso, a forma evoluída da formação acima facilita para o time amarelo manter a posse de bola - os três zagueiros e o volante não devem ter dificuldades em marcar os dois atacantes do time branco.
Logo, podemos resumir as vantagens:
a) Dá liberdade aos laterais pra apoiar o ataque, sabendo que sua defesa está protegida;
b) Facilita o controle da posse de bola na defesa;
c) Aumenta a área ocupada no campo de ataque;
d) Se o adversário tem jogadores criativos nas pontas, os zagueiros estarão de prontidão pra marcá-los;
e) O resultado final é um sistema com três atacantes na área, uma clara ameaça de gol;
f) O adversário vai ficar confuso quanto a quem marcar nas pontas.
Então, na teoria, este sistema deve funcionar muito bem contra dois atacantes, embora pode haver problemas similares ao que um sistema de três zagueiros enfrenta contra um ou três atacantes. Mas a diferença é que um sistema tradicional com três zagueiros é completamente diferente de um sistema tradicional com quatro zagueiros, o que necessita uma forma diferente de defender e provavelmente também uma escolha diferente de jogadores. Essas mudanças na formação, como as do Brasil e do Barcelona mostradas aqui, são mais flexíveis e acontecem com os jogos em andamento, ao invés do time ser previamente escalado dessa forma. O sistema não precisa mudar quando enfrenta esquemas de um ou três atacantes e ainda tem a liberdade para mudar para uma defesa de três zagueiros quando for necessário ou continuar com quatro defensores se for mais apropriado.
Então, quais as qualidades esse líbero moderno, ou centromédio moderno, precisa ter? Ele precisa ter uma boa leitura do jogo, um excelente passe (especialmente a longas distâncias), um bom desarme e competência no jogo aéreo, para não levar desvatagem contra atacantes altos. Em outras palavras, é exatamente o antigo líbero, e não é coincidência que os mais famosos exemplos da posição - Matthias Sammer, Lothar Matthaus, Ruud Gullit - eram meias centrais no início da carreira.
Talvez o exemplo mais convincente da iminente reintrodução do líbero é que os principais clubes ingleses já têm jogadores com as características acima. O Arsenal tem Alex Song, o Manchester United tem Michael Carrick, o Chelsea tem Jon Obi Mikel, o Manchester City tem Gareth Barry e Vincent Kompany e o Tottenham tem Tom Huddlestone - nenhum deles teria problemas em recuar para permitir que os laterais subam ao ataque.
Alex Song, um futuro centromédio?
É claro que certos tipos de jogadores em outras posições também são necessários. Os zagueiros precisam ser habilidosos, os laterais precisam ter velocidade e resistência e os meias que jogam abertos precisam saber jogar também pelo centro. Nem todos os grandes clubes têm jogadores assim, mas a tendência é que o futebol caminhe por esse lado.
Se o Brasil vencer a Copa do Mundo com esse sistema, logo ele estará cada vez mais presente no futebol europeu nos próximos anos. O Brasil não venceu a Copa, mas o Barcelona já usou Sergio Busquets como uma espécie de líbero. Aos poucos, veremos se essa teoria se confirma ou não.
Yup, está certo.
ResponderExcluir