Para enfrentar equipes que se fecham na defesa, o Barça adianta os dois laterais - lembrando o 2-3-2-3 dos anos 30
Jogadores do Barcelona comemoram mais um gol / Foto: Manu Fernandez/AP
O texto a seguir é uma tradução de um artigo escrito por Jonathan Wilson para o inglês Guardian. Segue o link do texto original:
http://www.guardian.co.uk/sport/blog/2010/oct/26/the-question-barcelona-reinventing-w-w
O futebol é um esporte holístico. Adiante um jogador aqui e você precisa recuar um jogador ali. Dê mais liberdade para atacar a um jogador e você precisa fazer outro defender mais. Enquanto o sistema com três zagueiros ficou ultrapassado como formação balanceada ou ofensiva - embora não como uma formação defensiva - graças ao
boom dos sistemas com apenas um atacante, os técnicos têm que resolver o problema de como usar laterais ofensivos sem deixar um buraco na defesa.
Para os times que usam wingers invertidos, assim como o Barcelona, esta questão é particularmente significante. Para eles, o apoio dos laterais não é apenas uma opção de ataque; é o que dá profundidade ao time enquanto os meias extremos avançam pelo centro. A falta de um jogador argentino com as características de Daniel Alves explica em parte por que Lionel Messi não jogou na seleção tudo que mostra em seu clube. No Barcelona, quando ele está na ponta direita e corta para o centro, Daniel corre pelo lado de fora, e o lateral adversário não pode ficar simplesmente marcando Messi para forçá-lo a usar seu pé ruim, o direito. Se fizer isso, ele passa para Daniel. Então ele deve cobrir os dois, o que dá o espaço que Messi precisa para usar com eficiência seu pé esquerdo.
É a mesma coisa quando Pedro joga na ponta direita, ou David Villa na esquerda. Os meias extremos do Barcelona sempre tentam cortar pelo meio e avançar em diagonal, e isso é facilitado com o avanço dos laterais. Tradicionalmente, se um lateral avança, o outro fica, formando efetivamente uma defesa com três homens.
O Barcelona, entretanto, frequentemente avança com os dois laterais, uma estratégia arriscada que se mostrou necessária devido aos vários adversários que jogam muito recuados contra eles. Com profundidade dos dois lados, eles podem passar a bola rapidamente de um flanco a outro, abrindo espaços até em uma defesa bem fechada. Contudo, eles ainda precisam de cobertura caso o adversário contra-ataque, e é por isso que Sergio Busquets fica recuado, tornando-se de fato um terceiro zagueiro.
É claro que isso não é algo novo. A maioria dos times que usaram um meio-campo em diamante já fizeram algo parecido. No Shakhtar Donetsk, antes de adotarem o 4-2-3-1, Dario Srna e Razvan Rat eram liberados pra atacar enquanto Mariusz Lewandowski ficava bem recuado no meio. No Chelsea, enquanto ainda definia a melhor formação da equipe, Luiz Felipe Scolari frequentemente colocava Mikel John Obi como um terceiro zagueiro. O próprio Barcelona tinha Yaya Touré recuando pra jogar como zagueiro na campanha do título da Champions League em 2008-09.
A diferença é a proporção usada. E não é apenas o Barcelona. Eu percebi essa tendência pela primeira vez ao
assistir um amistoso do México contra a Inglaterra antes da Copa do Mundo. Tentando descobrir qual era a formação mexicana, achei que eram quatro zagueiros, depois três, depois quatro, depois três, então percebi que eram ambos e nenhum ao mesmo tempo, mudando do 4-3-3 para o 3-4-3, assim como fizeram na Copa do Mundo.
Ricardo Osorio e Francisco Rodríguez eram os dois zagueiros, com Rafael Márquez atuando quase como um antigo (da época pré-Segunda Guerra Mundial) centromédio na frente deles. Paul Aguilar e Carlos Salcido eram laterais ofensivos, então a defesa era dividida em duas linhas, uma com dois e outra com três homens. Efraín Juárez e Gerardo Torrado compunham o meio-campo, atrás de uma linha de frente com três jogadores: Giovani dos Santos, Guillermo Franco e Carlos Vela. De fato, a formação seria mais precisamente descrita como um 2-3-2-3: em outras palavras, era o W-W que Vittorio Pozzo usou com a Itália ao vencer as Copas de 1934 e 1938.
Inspirado no sistema de Pozzo
Pozzo foi iniciado no futebol quando estudava a produção de lã em Bradford na primeira década do século passado. Ele viajava por Yorkshire e Lancashire assistindo jogos e eventualmente tornou-se torcedor do Manchester United, especialmente de sua lendária linha de volantes composta por Dick Duckworth, Charlie Roberts e Alec Bell. Para ele, todos os centromédios deveriam ser como Roberts, capazes de longos passes para as pontas. Esta foi uma convicção que ele sempre carregou consigo e o levou à decisão, quando foi nomeado treinador da seleção da Itália em 1924, de não convocar mais Fulvio Bernardini, ídolo da torcida romana, porque ele era mais um "carregador" do que um "passador".
Assim, ele passou a repudiar a formação W-M que o seu amigo Herbert Chapman, treinador do Arsenal, desenvolveu depois da mudança na lei do impedimento em 1925, onde o centromédio - no caso do Arsenal, Herbie Roberts - tornou-se um marcador, uma "sombra" para o centroavante adversário. Apesar disso, ele reconheceu que na nova realidade o centromédio deveria ter também atribuições defensivas.
Luisito Monti foi o jogador perfeito para Pozzo nessa posição. Ele já havia jogado a Copa de 1930 pela Argentina mas, depois de ir para a Juventus em 1931, por ter ascendência italiana, foi qualificado para defender a Itália. Contratado já com 30 anos, Monti estava acima do peso e, mesmo depois de um mês treinando sozinho, ainda não era rápido. Mas já estava em forma e ficou conhecido como
Doble Ancho (extensão dupla) por sua capacidade de cobrir os espaços.
Monti tornou-se um
centro mediano - não exatamente um Charlie Roberts mas também diferente de Herbie Roberts. Quando o adversário tinha a bola, ele recuava pra marcar o centroavante, mas ia pra frente e se tornava um ponto de articulação quando seu time tinha a bola. Embora não fosse um terceiro zagueiro, ele jogava mais recuado que um centromédio e os dois atacantes internos recuavam para ajudar os meias. A formação da Itália tornou-se um 2-3-2-3, o W-W. Na época, para o jornalista Mario Zappa da Gazzetta dello Sport, parecia "um modelo de jogo que é a síntese dos melhores elementos dos sistemas mais admirados", algo que surgiu do sucesso da Itália.
O passado ecoando no presente
Reconhecer que a forma do futebol moderno lembra a dos anos 30, entretanto, não é repetir o que diz o livro de Eclesiastes, que lamenta a futilidade de um mundo sem inovação: "O que já existiu existirá de novo, e o que já foi feito será feito de novo; não há nada novo debaixo do sol. Há algo que alguém pode dizer: 'Veja! isto é algo novo'? É algo que já existia, há muito tempo; já existia desde antes do nosso tempo." Nem é discutir que táticas são cíclicas, como muitos equivocadamente fazem.
É preferível reconhecer que fragmentos do passado ainda repercutem hoje, sendo reinventados e reinterpretados. Assim como o México, a formação do Barcelona, pelo menos quando usam apenas um meio-campo defensivo, parece imitar a Itália de Pozzo. Aqueles que defendem três zagueiros argumentam que, para previnir que o time tenha dois homens na sobra contra um sistema com um único atacante, um dos zagueiros pode subir para o meio-campo, pois os que ficaram na defesa já são o suficiente, e você ainda ganha um jogador adicional no meio-campo. O que o Barcelona e o México têm feito é uma abordagem pelo outro lado: usar um volante como zagueiro adicional ao invés de um zagueiro como volante adicional.
Mas o estilo do futebol está muito diferente. Não é apenas questão de que hoje o futebol está muito mais rápido que nos anos 30. O Barcelona pressiona incansavelmente quando não está com a bola, uma forma de defender que não havia sido desenvolvida até um quarto de século depois da segunda Copa do Mundo de Pozzo. Nos primeiros 20 minutos no Emirates na temporada passada, o Barcelona dominou completamente o Arsenal. A maior diferença entre os times não era na técnica, e sim na disciplina com que pressionavam.
De forma parecida, os wingers invertidos seriam algo desconhecido para Pozzo. Enrique Guaita e Raimundo Orsi jogavam abertos do início ao fim, buscando sempre a linha de fundo pra fazer cruzamentos. Angelo Schiavio era o centroavante que estava sempre fixo na frente - e nunca deixava sua posição. Os dois meias mais abertos, Attilio Ferraris e Luigi Bertolini, estavam sempre muito preocupados com a marcação aos atacantes internos adversários para subir ao ataque.
Entretanto, as vantagens do W-W para um time que quer manter a posse de bola, como as triangulações que oferecem simples opções de passe, continuam as mesmas. Ter Busquets, o Monti moderno, jogando entre Carles Puyol e Gerard Piqué não é um mero movimento defensivo; é algo que facilita para a saída de bola do Barcelona. Contra um 4-4-2 ou um 4-2-3-1, Busquets pode ser marcado por um centroavante recuado ou pelo jogador central do tridente, o que pode interromper o ritmo do Barcelona (assim como os times perceberam depois que Kevin Keegan colocou Antoine Sibierski para marcar Claude Makélelé, o que, por estranho que pareça, desnorteou o Chelsea); deixe Busquets mais recuado e ele tem mais tempo para iniciar os ataques.
Há também a questão da percepção. Olhando relatórios de partidas do início dos anos 70, parece bizarro para o olhar moderno pensar que eles ainda listavam os times como se jogassem no 2-3-5, sistema que já estava morto na maior parte dessa década. Ainda assim, presumimos, era a forma como os jornalistas e seus leitores viam o jogo. Da mesma forma, as gerações futuras podem olhar para as formações que descrevemos e não entender a lógica de como uma defesa com "quatro defensores" tem menos zagueiros que uma defesa com "três defensores".
Nós sabemos que os laterais atacam e que numa linha com quatro defensores, os zagueiros centrais invariavelmente jogam mais recuados, mas as formações que desenhamos não mostram isso muito bem. O Barcelona costuma usar um 4-1-2-3 ou um 4-2-1-3, de acordo com os critérios que usarmos para analisar sua formação; mas os
heat maps de posicionamento mostram um 2-3-2-3. O Barcelona, assim como o México, joga no W-W, mas não da forma que Pozzo o conhecia.