Mostrando postagens com marcador Teoria Tática. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Teoria Tática. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Barcelona está reinventando a formação W-W?

Para enfrentar equipes que se fecham na defesa, o Barça adianta os dois laterais - lembrando o 2-3-2-3 dos anos 30

Jogadores do Barcelona comemoram mais um gol / Foto: Manu Fernandez/AP

O texto a seguir é uma tradução de um artigo escrito por Jonathan Wilson para o inglês Guardian. Segue o link do texto original:
http://www.guardian.co.uk/sport/blog/2010/oct/26/the-question-barcelona-reinventing-w-w

O futebol é um esporte holístico. Adiante um jogador aqui e você precisa recuar um jogador ali. Dê mais liberdade para atacar a um jogador e você precisa fazer outro defender mais. Enquanto o sistema com três zagueiros ficou ultrapassado como formação balanceada ou ofensiva - embora não como uma formação defensiva - graças ao boom dos sistemas com apenas um atacante, os técnicos têm que resolver o problema de como usar laterais ofensivos sem deixar um buraco na defesa.

Para os times que usam wingers invertidos, assim como o Barcelona, esta questão é particularmente significante. Para eles, o apoio dos laterais não é apenas uma opção de ataque; é o que dá profundidade ao time enquanto os meias extremos avançam pelo centro. A falta de um jogador argentino com as características de Daniel Alves explica em parte por que Lionel Messi não jogou na seleção tudo que mostra em seu clube. No Barcelona, quando ele está na ponta direita e corta para o centro, Daniel corre pelo lado de fora, e o lateral adversário não pode ficar simplesmente marcando Messi para forçá-lo a usar seu pé ruim, o direito. Se fizer isso, ele passa para Daniel. Então ele deve cobrir os dois, o que dá o espaço que Messi precisa para usar com eficiência seu pé esquerdo.

É a mesma coisa quando Pedro joga na ponta direita, ou David Villa na esquerda. Os meias extremos do Barcelona sempre tentam cortar pelo meio e avançar em diagonal, e isso é facilitado com o avanço dos laterais. Tradicionalmente, se um lateral avança, o outro fica, formando efetivamente uma defesa com três homens.

O Barcelona, entretanto, frequentemente avança com os dois laterais, uma estratégia arriscada que se mostrou necessária devido aos vários adversários que jogam muito recuados contra eles. Com profundidade dos dois lados, eles podem passar a bola rapidamente de um flanco a outro, abrindo espaços até em uma defesa bem fechada. Contudo, eles ainda precisam de cobertura caso o adversário contra-ataque, e é por isso que Sergio Busquets fica recuado, tornando-se de fato um terceiro zagueiro.

É claro que isso não é algo novo. A maioria dos times que usaram um meio-campo em diamante já fizeram algo parecido. No Shakhtar Donetsk, antes de adotarem o 4-2-3-1, Dario Srna e Razvan Rat eram liberados pra atacar enquanto Mariusz Lewandowski ficava bem recuado no meio. No Chelsea, enquanto ainda definia a melhor formação da equipe, Luiz Felipe Scolari frequentemente colocava Mikel John Obi como um terceiro zagueiro. O próprio Barcelona tinha Yaya Touré recuando pra jogar como zagueiro na campanha do título da Champions League em 2008-09.

A diferença é a proporção usada. E não é apenas o Barcelona. Eu percebi essa tendência pela primeira vez ao assistir um amistoso do México contra a Inglaterra antes da Copa do Mundo. Tentando descobrir qual era a formação mexicana, achei que eram quatro zagueiros, depois três, depois quatro, depois três, então percebi que eram ambos e nenhum ao mesmo tempo, mudando do 4-3-3 para o 3-4-3, assim como fizeram na Copa do Mundo.

Ricardo Osorio e Francisco Rodríguez eram os dois zagueiros, com Rafael Márquez atuando quase como um antigo (da época pré-Segunda Guerra Mundial) centromédio na frente deles. Paul Aguilar e Carlos Salcido eram laterais ofensivos, então a defesa era dividida em duas linhas, uma com dois e outra com três homens. Efraín Juárez e Gerardo Torrado compunham o meio-campo, atrás de uma linha de frente com três jogadores: Giovani dos Santos, Guillermo Franco e Carlos Vela. De fato, a formação seria mais precisamente descrita como um 2-3-2-3: em outras palavras, era o W-W que Vittorio Pozzo usou com a Itália ao vencer as Copas de 1934 e 1938.

Inspirado no sistema de Pozzo

Pozzo foi iniciado no futebol quando estudava a produção de lã em Bradford na primeira década do século passado. Ele viajava por Yorkshire e Lancashire assistindo jogos e eventualmente tornou-se torcedor do Manchester United, especialmente de sua lendária linha de volantes composta por Dick Duckworth, Charlie Roberts e Alec Bell. Para ele, todos os centromédios deveriam ser como Roberts, capazes de longos passes para as pontas. Esta foi uma convicção que ele sempre carregou consigo e o levou à decisão, quando foi nomeado treinador da seleção da Itália em 1924, de não convocar mais Fulvio Bernardini, ídolo da torcida romana, porque ele era mais um "carregador" do que um "passador".

Assim, ele passou a repudiar a formação W-M que o seu amigo Herbert Chapman, treinador do Arsenal, desenvolveu depois da mudança na lei do impedimento em 1925, onde o centromédio - no caso do Arsenal, Herbie Roberts - tornou-se um marcador, uma "sombra" para o centroavante adversário. Apesar disso, ele reconheceu que na nova realidade o centromédio deveria ter também atribuições defensivas.

Luisito Monti foi o jogador perfeito para Pozzo nessa posição. Ele já havia jogado a Copa de 1930 pela Argentina mas, depois de ir para a Juventus em 1931, por ter ascendência italiana, foi qualificado para defender a Itália. Contratado já com 30 anos, Monti estava acima do peso e, mesmo depois de um mês treinando sozinho, ainda não era rápido. Mas já estava em forma e ficou conhecido como Doble Ancho (extensão dupla) por sua capacidade de cobrir os espaços.

Monti tornou-se um centro mediano - não exatamente um Charlie Roberts mas também diferente de Herbie Roberts. Quando o adversário tinha a bola, ele recuava pra marcar o centroavante, mas ia pra frente e se tornava um ponto de articulação quando seu time tinha a bola. Embora não fosse um terceiro zagueiro, ele jogava mais recuado que um centromédio e os dois atacantes internos recuavam para ajudar os meias. A formação da Itália tornou-se um 2-3-2-3, o W-W. Na época, para o jornalista Mario Zappa da Gazzetta dello Sport, parecia "um modelo de jogo que é a síntese dos melhores elementos dos sistemas mais admirados", algo que surgiu do sucesso da Itália.

O passado ecoando no presente

Reconhecer que a forma do futebol moderno lembra a dos anos 30, entretanto, não é repetir o que diz o livro de Eclesiastes, que lamenta a futilidade de um mundo sem inovação: "O que já existiu existirá de novo, e o que já foi feito será feito de novo; não há nada novo debaixo do sol. Há algo que alguém pode dizer: 'Veja! isto é algo novo'? É algo que já existia, há muito tempo; já existia desde antes do nosso tempo." Nem é discutir que táticas são cíclicas, como muitos equivocadamente fazem.

É preferível reconhecer que fragmentos do passado ainda repercutem hoje, sendo reinventados e reinterpretados. Assim como o México, a formação do Barcelona, pelo menos quando usam apenas um meio-campo defensivo, parece imitar a Itália de Pozzo. Aqueles que defendem três zagueiros argumentam que, para previnir que o time tenha dois homens na sobra contra um sistema com um único atacante, um dos zagueiros pode subir para o meio-campo, pois os que ficaram na defesa já são o suficiente, e você ainda ganha um jogador adicional no meio-campo. O que o Barcelona e o México têm feito é uma abordagem pelo outro lado: usar um volante como zagueiro adicional ao invés de um zagueiro como volante adicional.

Mas o estilo do futebol está muito diferente. Não é apenas questão de que hoje o futebol está muito mais rápido que nos anos 30. O Barcelona pressiona incansavelmente quando não está com a bola, uma forma de defender que não havia sido desenvolvida até um quarto de século depois da segunda Copa do Mundo de Pozzo. Nos primeiros 20 minutos no Emirates na temporada passada, o Barcelona dominou completamente o Arsenal. A maior diferença entre os times não era na técnica, e sim na disciplina com que pressionavam.

De forma parecida, os wingers invertidos seriam algo desconhecido para Pozzo. Enrique Guaita e Raimundo Orsi jogavam abertos do início ao fim, buscando sempre a linha de fundo pra fazer cruzamentos. Angelo Schiavio era o centroavante que estava sempre fixo na frente - e nunca deixava sua posição. Os dois meias mais abertos, Attilio Ferraris e Luigi Bertolini, estavam sempre muito preocupados com a marcação aos atacantes internos adversários para subir ao ataque.

Entretanto, as vantagens do W-W para um time que quer manter a posse de bola, como as triangulações que oferecem simples opções de passe, continuam as mesmas. Ter Busquets, o Monti moderno, jogando entre Carles Puyol e Gerard Piqué não é um mero movimento defensivo; é algo que facilita para a saída de bola do Barcelona. Contra um 4-4-2 ou um 4-2-3-1, Busquets pode ser marcado por um centroavante recuado ou pelo jogador central do tridente, o que pode interromper o ritmo do Barcelona (assim como os times perceberam depois que Kevin Keegan colocou Antoine Sibierski para marcar Claude Makélelé, o que, por estranho que pareça, desnorteou o Chelsea); deixe Busquets mais recuado e ele tem mais tempo para iniciar os ataques.

Há também a questão da percepção. Olhando relatórios de partidas do início dos anos 70, parece bizarro para o olhar moderno pensar que eles ainda listavam os times como se jogassem no 2-3-5, sistema que já estava morto na maior parte dessa década. Ainda assim, presumimos, era a forma como os jornalistas e seus leitores viam o jogo. Da mesma forma, as gerações futuras podem olhar para as formações que descrevemos e não entender a lógica de como uma defesa com "quatro defensores" tem menos zagueiros que uma defesa com "três defensores".

Nós sabemos que os laterais atacam e que numa linha com quatro defensores, os zagueiros centrais invariavelmente jogam mais recuados, mas as formações que desenhamos não mostram isso muito bem. O Barcelona costuma usar um 4-1-2-3 ou um 4-2-1-3, de acordo com os critérios que usarmos para analisar sua formação; mas os heat maps de posicionamento mostram um 2-3-2-3. O Barcelona, assim como o México, joga no W-W, mas não da forma que Pozzo o conhecia.

domingo, 24 de outubro de 2010

O líbero está voltando ao futebol?

O texto a seguir é uma tradução de um artigo do excelente site ZonalMarking.net. Quaisquer comentários ou notas sobre o texto estarão em itálico.

Jonathan Wilson escreveu recentemente em sua excelente série "The Question" sobre a possibilidade do retorno do líbero ao futebol. O líbero é uma posição que teve êxito como o "jogador da sobra" numa defesa de três zagueiros contra dois atacantes. Hoje temos defesas de dois zagueiros contra um atacante; deveria um desses zagueiros ser o líbero?

A ideia é música para os ouvidos de quem tem boas lembranças da Euro 96. O melhor jogador do torneio foi Matthias Sammer, líbero do 3-4-1-2 usado pela campeã Alemanha. Além de ser o jogador mais importante da defesa, dando segurança atrás dos dois volantes, ele também tinha permissão para subir ao ataque e acabou marcando (com bola rolando) em mais de uma ocasião.

Matthias Sammer, um líbero clássico

Talvez o sucesso alemão na Euro 96 foi o que causou a obsessão com defesas de três zagueiros na Inglaterra em meados e no final dos anos 90. Porém, hoje isso é coisa do passado na maior parte da Europa e certamente também é na Premier League. Em contraste com o Brasil, onde muitas equipes jogam com três zagueiros.

Então, contra um único atacante, um dos zagueiros tem, em teoria, liberdade pra atacar. Foi assim com o Arsenal na última temporada, onde William Gallas e Thomas Vermaelen frequentemente subiam ao ataque. Foi demonstrado também na partida de ida das quartas-de-final da UCL entre Bayern Munique e Manchester United, onde o zagueiro Martin Demichelis subia até o meio-campo. Quando Sir Alex Ferguson colocou Berbatov na partida, alguns acreditaram que foi principalmente para forçar o argentino de volta à sua posição de origem.

Mas a verdade é que é suicídio deixar sua defesa com apenas um zagueiro (veja o erro de Vermaelen na derrota do Arsenal para o Manchester United no início do ano), particularmente se o atacante adversário é mais rápido e consegue se mover pelas laterais antes de deixar pra trás o marcador. Considerando o quanto as formações com um atacante são populares hoje, ainda é muito raro ver um zagueiro deixando sua posição pra subir ao ataque - é simplesmente arriscado demais.

O mais provável é que o equivalente ao líbero nos próximos anos seja um volante recuando para a linha de trás, com os zagueiros abrindo pelos lados - ao invés de um zagueiro avançando para o meio-campo. Já nos referimos a esse jogador como "centromédio" [centre-half em inglês] (veja Carsten Ramelow no Bayer Leverkusen, por exemplo), tamanha é a semelhança com a função do centromédio "original", que se movia permanentemente do centro do meio-campo para o centro da defesa.

As vantagens? A área ocupada pelos jogadores aumenta nas laterais do campo, o que facilita a manutenção da posse de bola e dificulta a marcação dos espaços para o adversário. Também é criada uma situação difícil para o adversário em relação à escolha dos jogadores.

Existem dois interessantes exemplos modernos em ação - e, não por coincidência, eles envolvem o melhor time do mundo e (possivelmente) a melhor seleção do mundo.

Nas últimas duas temporadas, o Barcelona jogou em um sistema onde o meio-campista mais recuado (Yaya Toure ou Sergio Busquets) voltava para o centro da defesa, enquanto os zagueiros, Gerard Pique e Carles Puyol, ficavam abertos bem perto das laterais enquanto o Barcelona tinha a posse de bola. Isso permitia aos laterais, Daniel Alves e Eric Abidal/Maxwell, apoiarem o ataque sem medo de deixar a defesa exposta.

De forma parecida, no Brasil de Dunga, Gilberto Silva recuava para a defesa (para a direita ou no meio dos dois zagueiros), permitindo que Maicon e Michel Bastos subissem ao ataque.

O diagrama abaixo mostra como uma mudança de quatro para três zagueiros pode encurralar o adversário. O problema de ter laterais ofensivos é que eles nunca estão totalmente livres pra atacar, por terem que se preocupar também com a defesa, especialmente com a tendência dos times usarem seus jogadores mais criativos como wingers. Com a segurança de uma defesa com três zagueiros, eles podem ir ao campo de ataque sem deixar um buraco às costas.

Como uma defesa de quatro jogadores evolui e passa a ter três zagueiros


Uma parte essencial dessa mudança de posições no time amarelo é a movimentação dos jogadores abertos pelas pontas. Ao invés de continuarem abertos (o que atrapalharia o apoio dos laterais), eles centralizam e formam quase um trio de atacantes convencional. Isso acaba reduzindo a área de defesa do time branco, já que os seus marcadores naturais (os laterais) vão segui-los até o centro.

Consequentemente, um espaço é aberto nos flancos, o que os laterais podem explorar. Isso causa um problema para a equipe branca: seus meio-campistas que jogam abertos precisam marcar os laterais adversários, o que faz com que eles recuem praticamente até a linha de defesa, formando algo parecido com uma linha de seis defensores.

Além disso, a forma evoluída da formação acima facilita para o time amarelo manter a posse de bola - os três zagueiros e o volante não devem ter dificuldades em marcar os dois atacantes do time branco.

Logo, podemos resumir as vantagens:

a) Dá liberdade aos laterais pra apoiar o ataque, sabendo que sua defesa está protegida;

b) Facilita o controle da posse de bola na defesa;

c) Aumenta a área ocupada no campo de ataque;

d) Se o adversário tem jogadores criativos nas pontas, os zagueiros estarão de prontidão pra marcá-los;

e) O resultado final é um sistema com três atacantes na área, uma clara ameaça de gol;

f) O adversário vai ficar confuso quanto a quem marcar nas pontas.

Então, na teoria, este sistema deve funcionar muito bem contra dois atacantes, embora pode haver problemas similares ao que um sistema de três zagueiros enfrenta contra um ou três atacantes. Mas a diferença é que um sistema tradicional com três zagueiros é completamente diferente de um sistema tradicional com quatro zagueiros, o que necessita uma forma diferente de defender e provavelmente também uma escolha diferente de jogadores. Essas mudanças na formação, como as do Brasil e do Barcelona mostradas aqui, são mais flexíveis e acontecem com os jogos em andamento, ao invés do time ser previamente escalado dessa forma. O sistema não precisa mudar quando enfrenta esquemas de um ou três atacantes e ainda tem a liberdade para mudar para uma defesa de três zagueiros quando for necessário ou continuar com quatro defensores se for mais apropriado.

Então, quais as qualidades esse líbero moderno, ou centromédio moderno, precisa ter? Ele precisa ter uma boa leitura do jogo, um excelente passe (especialmente a longas distâncias), um bom desarme e competência no jogo aéreo, para não levar desvatagem contra atacantes altos. Em outras palavras, é exatamente o antigo líbero, e não é coincidência que os mais famosos exemplos da posição - Matthias Sammer, Lothar Matthaus, Ruud Gullit - eram meias centrais no início da carreira.

Talvez o exemplo mais convincente da iminente reintrodução do líbero é que os principais clubes ingleses já têm jogadores com as características acima. O Arsenal tem Alex Song, o Manchester United tem Michael Carrick, o Chelsea tem Jon Obi Mikel, o Manchester City tem Gareth Barry e Vincent Kompany e o Tottenham tem Tom Huddlestone - nenhum deles teria problemas em recuar para permitir que os laterais subam ao ataque.

Alex Song, um futuro centromédio?

É claro que certos tipos de jogadores em outras posições também são necessários. Os zagueiros precisam ser habilidosos, os laterais precisam ter velocidade e resistência e os meias que jogam abertos precisam saber jogar também pelo centro. Nem todos os grandes clubes têm jogadores assim, mas a tendência é que o futebol caminhe por esse lado.

Se o Brasil vencer a Copa do Mundo com esse sistema, logo ele estará cada vez mais presente no futebol europeu nos próximos anos. O Brasil não venceu a Copa, mas o Barcelona já usou Sergio Busquets como uma espécie de líbero. Aos poucos, veremos se essa teoria se confirma ou não.