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terça-feira, 26 de abril de 2011

Entrevista: Wagner Lopes - Parte 2/2

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Como foi pra você quando te chamaram pra seleção?
Putz, foi uma alegria muito grande, porque foi um país que me deu tanto... Não falando materialmente, nunca fui materialista. É claro que todo mundo gosta de conforto e de dinheiro, mas eu pensava assim: "Um país que me ensinou tanto, que me deu uma nova cultura, que me fez um homem melhor... Se eu jogar pela seleção japonesa, vou poder retribuir. Vou poder fazer o ongaeshi, que é devolver um pouco de tudo o que eu recebi." Como? Representando bem a seleção, classificando-a para uma Copa do Mundo. Então a minha forma de retribuir todo o carinho, tudo o que o país tinha me dado em termos de oportunidade, em termos de aprendizado, era ajudando a classificar a seleção para a Copa do Mundo pela primeira vez. E graças a Deus eu fui abençoado com isso, sabe? De me naturalizar, de ajudar nas Eliminatórias e conseguir a classificação. Foi a maior glória pra mim no futebol.

Wagner atuando pelo Nagoya Grampus

Sua estreia na seleção foi contra a Coreia do Sul em 1997, pelas Eliminatórias. O Japão perdeu por 2x1 em casa com o estádio lotado. Vocês ganhavam por 1x0, até que o técnico te substituiu por um zagueiro e a Coreia virou nos últimos minutos. Como foi aquela derrota pra vocês?
Foi uma tristeza muito grande. Mas se você tiver a oportunidade de ver as imagens, é emocionante. Porque no Japão eles anunciavam um por um a entrada dos jogadores, e eu fiquei por último. Toda a torcida estava esperando se eu ia jogar ou não, se eu ia ficar no banco ou não. Quando anunciou "Wagner Lopes Nº 30", o estádio veio abaixo. Eles pegaram papel picado e o estádio inteiro jogou pra cima. A minha mãe, minha sogra e minha esposa estavam no estádio com os meus filhos. Elas choraram copiosamente, falaram que nunca viveram uma emoção tão grande. Eu tenho essas imagens em casa, e nas minhas palestras, normalmente para empresas japonesas, eu mostro um pouco do que foi a minha vida profissional lá. E é muito bonito, é muito gratificante ver a reação da torcida japonesa quando o meu nome é anunciado.

Depois dessa partida, a seleção passou por um momento difícil, com três empates e uma troca de técnico (Shu Kamo saiu e entrou Takeshi Okada). Até que veio o jogo contra a Coreia do Sul em Seul e você fez o gol da vitória.
Foi. Dei a assistência do primeiro gol, ganhamos de 2x0, fui escolhido o melhor em campo... E o Japão, se não me engano, fazia 11 anos que não vencia a Coreia. E nunca havia vencido na Coreia. Então foi histórico, foi uma festa. E nesse dia eu joguei muito bem. Eu me lembro que o Narahashi cruzou uma bola na área e eu quase fiz o gol de bicicleta, o goleiro deu um tapa pra cima... Não, acho que ele pegou a bola, foi no meio do gol. Mas foi uma experiência muito grande. E eu estava com minha mãe desenganada com câncer. Uma semana após esse jogo nós fomos pra Malásia, acho que em Johor Bahru, nós íamos jogar contra o Irã no mata-mata. Se empatasse ia pro gol de ouro, se empatasse na prorrogação ia pros pênaltis. E eu peguei uma gripe porque estava nevando naquele dia na Coreia, estava -2 graus. Fiquei uma semana de cama, emagreci cinco quilos. Eu me recuperei a tempo e viajei pra Malásia, nós íamos jogar no dia 15; no dia 13 eu recebi a notícia de que a minha mãe tinha falecido. Todo mundo ficou apreensivo que eu largasse o barco e fosse embora pra enterrar a minha mãe. E aí eu tomei uma decisão muito difícil, eu não voltei pro Brasil pro enterro da minha mãe pra poder ficar com a seleção até o fim para ir pra Copa do Mundo. Essa foi a decisão mais difícil da minha vida. Eu falei pro treinador: "Okada-san, eu vou até o fim. Se você precisar de mim por 30 segundos, eu vou te ajudar o máximo que eu puder. Todas as minhas forças eu vou fazer pra classificar a seleção japonesa." E aí nós estávamos perdendo de 2x1. O Okada-san tirou o Nakayama e o Kazu e colocou eu e o Jo, dois atacantes. Nós empatamos e viramos o jogo. E classificamos no gol de ouro, gol do Oka-chan [Masayuki Okano], ponta direita veloz. Foi uma festa, o país parou pra receber a gente em Narita, foi sensacional.

O Japão conseguiu de forma dramática sua primeira classificação pra uma Copa do Mundo

Participar da Copa do Mundo, então...
Foi o maior presente que Deus me deu. Eu não tenho palavras pra poder expressar pra você o orgulho de poder representar o Japão em uma Copa do Mundo. Foi um orgulho muito grande. Quando fomos ao Palácio Imperial falar com o Imperador para ele abençoar a nossa ida, o príncipe veio, cumprimentou todo mundo... E a pena é que não é permitido fotografar o Imperador. Mas o príncipe herdeiro na época tirou foto com todo mundo, ele foi pra Aix-les-Bains com a gente fazer a pré-temporada, foi uma oportunidade que talvez um outro ser humano não tenha, essa honra de ser recebido pelo Imperador.

Nessa Copa do Mundo, existe alguma explicação para o Kazu não ter sido convocado?
Eu tenho. É uma opinião minha. O Kazu é meu amigo, é um excelente jogador, é um ícone, né? Tanto é que ele é chamado de "King Kazu". Mas eu enxergo que no futebol existe uma hierarquia. E o Kazu estava há quase dez anos na seleção. Ele é um dos maiores jogadores da história do Japão na minha visão, talvez o maior. Mas ele tinha, dentro da seleção, alguns hábitos errados. Por exemplo, ele tinha um massagista só pra ele, ele queria aquecer de forma diferente... O treinador falava e ele meio que "Não, eu faço do jeito que eu quiser". O Okada-san é uma pessoa muito boa, mas muito rígida. Na época que o Okada-san era auxiliar, eu tenho a impressão de que tiveram algum atrito de ordem disciplinar. Acredito eu, não tenho confirmação nenhuma, é pelo que eu vi. Eu acredito que a federação queria acabar com aqueles hábitos ruins do Kazu. Por exemplo, se eu quisesse fazer massagem, e tivesse o massagista lá sem fazer nada, eu não podia pedir pro cara fazer uma massagem em mim. Porque ele era exclusivo do Kazu, ele ficava à disposição do cara. E os outros jogadores... Enquanto o Kazu fez gol e jogou bem, todo mundo aceitou. Quando entrou na fase ruim, que foi justamente na época do corte...

Ele fez alguns jogos ruins e o pessoal já...
Muito ruins. Tecnicamente ele estava muito mal, nos treinos também não estava bem e aí o Okada-san teve coragem de levar os que estavam melhores na época. E isso é o trabalho do treinador. Ele não tem que convocar o cara pelo nome. Ele tem que convocar os melhores do momento, e no momento o Kazu não estava bem. Essa é a minha opinião.

E foi na Copa América de 1999 que você encerrou sua participação na seleção.
É, na seleção, em jogos oficiais, foi em 1999. Mas depois eu ainda participei em 2000 e 2001 também, mas assim, convocava 25 e eu fui cortado as duas vezes, não cheguei a ir pro jogo. Então nem consta no boletim da partida porque às vezes convocava 30 e só ia 22, e os outros 8 eram cortados, então não tive participação mais, porque eles queriam renovar a seleção, colocar jogadores jovens, enfim...

E agora, o Japão deve participar novamente da Copa América. O que você espera da seleção?
Eu acho que é uma boa oportunidade para dar mais experiência aos mais jovens. A pressão de Copa América, a pressão de jogar aqui na América do Sul... São poucas as chances que a seleção japonesa tem de jogar contra o estilo sul-americano. Eles jogam mais contra os europeus, contra as seleções da Ásia, até da África, mas da América do Sul são poucas as oportunidades, então quanto mais a escola sul-americana jogar com o Japão, melhor para o Japão, acho que adquire mais experiência, mais vivência dentro de competições de alto nível.

E como você avalia a evolução da seleção japonesa? Você acha que para a próxima Copa do Mundo, por exemplo, eles podem ter a expectativa de uma grande participação?
Eu acho que a mudança de trabalho na seleção é muito difícil. Por quê? Nós tínhamos um técnico brasileiro em 2006, o Zico; aí tentou um iugoslavo, voltou a ter um japonês, o Okada-san em 2010; e agora um técnico italiano. Toda mudança precisa de um tempo de amadurecimento, de maturação. Eu entendo que o japonês evoluiu muito, tem uma safra de jovens jogadores muito boa. Mas o que eu sempre bato na tecla é o seguinte: esses que estão jogando lá fora, nas competições de alto nível e estão se destacando, ao juntarem com a seleção, o interesse tem que ser o mesmo: Jibun no tame ni yaru janakute, jibun no kuni no tame ni ganbatte morau (jogar pelo país, não jogar por si). Jogar pelo orgulho de defender as cores do país, e não jogar pra se destacar, pra ir pra um contrato melhor, pra um clube melhor. Acho que uma coisa leva a outra. Então se todos se unirem com essa mentalidade, se todos falarem "Eu vou fazer o meu melhor para o meu país ser respeitado mundialmente", não pensando só no contrato de publicidade, é uma coisa natural, vai acontecer. A federação dando todo o suporte, dando toda a calma para que essa nova comissão faça o trabalho necessário, principalmente o trabalho motivacional... Na minha cabeça, o grande problema do Japão é a falta de confiança. O dia que o japonês tiver confiança, disciplinados do jeito que eles são, além de serem bons tecnicamente, eu acho que o Japão vai ser uma grande surpresa no cenário mundial do futebol.

O Ruy Ramos disse em uma entrevista que se jogasse Brasil x Japão, ele era 100% Japão. E você?
Eu sou 200% Japão (risos). E você sabe por quê? Porque o Brasil já ganhou cinco Copas do Mundo, entendeu? Imagina se o Japão ganhar uma, a alegria que vai ser. Eu adoro o Brasil, eu adoro o Japão. Só que vai ser muito mais divertido pro futebol se o Japão ganhar a primeira do que se o Brasil ganhar a sexta. Eu sei que se o Brasil ganhar vai ser uma alegria pro povo brasileiro, mas eu acho que o povo japonês é muito sofrido também. Com tudo que aconteceu lá; as guerras, as bombas atômicas, agora esse tsunami, esses terremotos... Eu acho que, esportivamente, se o Japão tivesse uma grande conquista, não só ganhar a Copa da Ásia como ganhou a quarta agora, mas numa Copa do Mundo no Brasil, o Japão sendo campeão, acho que seria uma alegria muito grande pro povo. Então, eu torço pro Brasil também, mas não quando joga contra o Japão. E não é pra fazer média não, eu falo isso para os outros jornalistas brasileiros também (risos).

Qual foi a partida mais memorável de toda a sua carreira?
Putz, eu tive tantas alegrias, cara... Mas acho que foi a minha estreia, contra a Coreia do Sul.


E o gol mais bonito?
Eu acho que foi um gol que tem no You Tube [veja abaixo], contra os Emirados Árabes. Chutei de fora da área, ela fez a curva, bateu na trave e entrou. Era 26 de outubro, aniversário da minha esposa. E eu nunca prometi gol pra ninguém na minha vida. Mas nesse dia eu prometi pra ela: "Eu vou fazer um gol pra você. Hoje é seu aniversário, seu presente vai ser um gol com o Kokuritsu lotado." 56.000 pessoas era a lotação, acho que tinha 60.000. Três minutos de jogo, o Kazu passou uma bola no meio-campo. Ela tava dividida, eu dei o boné no cara, dei um tapa pra frente, quando ela quicou, eu peguei de voleio, ela fez a curva... Meu, sabe a sensação, assim... Que o país veio abaixo? Os torcedores enlouqueceram, foi muito bonito, muito lindo. Marcante pra mim. Pena que o jogo empatou, depois nós tomamos o gol, bola parada, uma desatenção. Mas até hoje, às vezes eu sonho com esse gol.


Para finalizar, o que você planeja para a sua carreira no futuro?
O que eu planejo para a minha carreira no futuro? Eu não tinha planos de voltar a morar no Brasil. Mas eu contava as histórias para os meus filhos, nadando em riacho aqui no Brasil, nadando nas lagoas, andando a cavalo, subindo na árvore de jabuticaba pra chupar a fruta, e os meus filhos sempre falavam: "Pai, eu quero fazer isso também, me leva pra morar no Brasil." Aí eu prometi para os meus filhos que quando eu parasse de jogar eu os traria pra morar no Brasil. Eu voltei em 2003, mas a ideia era ficar dois anos, o tempo que demorasse a minha pós-graduação de Sport Business, depois a gente voltaria a morar no Japão. Eu amo de paixão o Japão, sei que o país está vivendo um momento difícil agora. Se eu tivesse um trabalho no Japão hoje, mesmo pra não ganhar nada, eu gostaria de voltar pra ajudar a reconstruir o país. Então a minha meta de vida hoje é fazer um bom trabalho aqui como treinador pra ter uma oportunidade de voltar a trabalhar no Japão e poder ajudar a reconstruir o que foi perdido nesse tsunami.

Wagner e eu no campo do Estádio Jayme Cintra, em Jundiaí

Agradeço ao Wagnes Lopes por ter gentilmente me recebido no centro de treinamento do Paulista, em Jundiaí. Muito obrigado também ao Ivan Gottardo, do blog Fanático pelo Paulista, e ao Gabriel Goto, assessor do clube, que colaboraram para que essa entrevista fosse possível.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Entrevista: Wagner Lopes - Parte 1/2

Nascido em 1969, o paulista Wagner Augusto Lopes saiu do São Paulo para jogar no Japão em 1987, quando tinha apenas 18 anos. Lá ele se casou, teve filhos, aprendeu o idioma e se tornou um verdadeiro cidadão japonês. Jogou no Nissan (atual Yokohama Marinos), Hitachi (atual Kashiwa Reysol), Honda FC, Bellmare Hiratsuka (atual Shonan Bellmare), Nagoya Grampus, Tokyo FC e se aposentou no Avispa Fukuoka em 2002. Defendeu a seleção nipônica entre 1997 e 1999, voltou ao Brasil em 2003 e hoje é treinador do Paulista de Jundiaí.

Wagner Lopes no álbum de figurinhas da Copa de 1998

Tiago Bontempo: Como surgiu a oportunidade de jogar no Japão?
Wagner Lopes: Eu já era profissional no São Paulo Futebol Clube. Aliás, toda minha carreira no Brasil, do infantil ao profissional, foi no São Paulo. E eu jogava com o Oscar Bernardi, que foi capitão da seleção brasileira na Copa de 1982. Ele tem experiência em três Copas do Mundo, é um ídolo nacional. Nós jogamos juntos em 1985, 86 e 87 no São Paulo. A gente era muito amigo, ele era uma espécie de "protetor" meu lá. E ele foi convidado pra jogar no Japão em 1987. O treinador da Nissan na época - o Kamo Shu-san, que mais tarde foi técnico da seleção - perguntou pro Oscar se ele não tinha um jovem talento pra indicar pra vir com ele pro Japão. E aí ele me fez o convite: "Wagner, eu vou jogar na Nissan, um time de uma fábrica de automóveis. Você não quer vir comigo?" Na hora eu aceitei e falei: "Oscar, se você pular do décimo andar eu pulo atrás porque eu sei que é coisa boa." Eu tinha uma curiosidade muito grande com a cultura japonesa. Eu gosto muito de ler. Quando tinha 15 pra 16 anos, eu li a biografia do Akio Morita, que é o fundador da Sony. Procure esse livro porque é sensacional pra quem gosta da cultura japonesa. Quando li, eu fiquei apaixonado. E eu gosto muito de histórias de samurai, achava que quando chegasse no Japão, ainda ia achar lá no interiorzão algum maluco que se vestisse de samurai. E assim apareceu a oportunidade, eu falei: "Japão, país da tecnologia..." Fui pra ficar duas, três temporadas; só que a identificação foi tão grande que acabei ficando 17 anos.

Você tinha 18 anos quando foi pra lá, mas não tinha dúvidas que era isso que você queria.
Não, não tinha dúvidas.

Como foi a sua adaptação?
A adaptação foi bem complicada, porque não tinha restaurante brasileiro, não tinha a Globo Internacional, a Record Internacional, não tinha tv a cabo, internet... Você ficava em outro mundo mesmo. E o idioma muito diferente, a cultura muito diferente, o futebol totalmente diferente... Pra você ter uma ideia, os jogadores trabalhavam de manhã na fábrica da Nissan e à tarde nós treinávamos. Só tinha três profissionais: Eu, o Oscar e o Kimura Kazushi, que era o astro, o ídolo do nosso time e da seleção japonesa e hoje é treinador do Yokohama Marinos. Então eu tive muita dificuldade no começo por conta da comunicação, por conta de não falar o japonês. Eu falei: "Eu preciso aprender esse idioma, eu preciso falar." Então, por exemplo, na parte da manhã eu acordava, tomava café às 7 horas e estudava até meio-dia. Aí ia pro treino, que era às 2 da tarde, treinava até as 5, 6 horas, voltava pra concentração e estudava de novo das 8 até as 11. Eu vivia pra jogar bola e estudar.

Isso é interessante porque muitos jogadores e técnicos que vão pra lá não se preocupam em aprender o idioma, estão sempre com o intérprete do lado...
Isso é um grande erro.

Mas você decidiu estudar e aprender.
Eu me sentia muito mal em não conseguir falar o que eu pensava. Não conseguia me comunicar com os companheiros, não conseguia me comunicar no trem, quando ia fazer compras, então pra mim era uma questão de honra falar o idioma. Eu joguei no São Paulo com alguns jogadores que me ajudaram muito nesse sentido. O Falcão, que hoje é treinador do Inter de Porto Alegre, falava pra mim: "Wagner, em Roma como os romanos. Você tem que viver no país como uma pessoa de lá. Você não pode fazer da Itália uma extensão do Brasil. A cultura lá é outra, o idioma é outro; você tem que viver naquele país de acordo com as regras sociais, de acordo com a cultura, com o idioma do país." Então, essa experiência de jogar com atletas que tiveram a oportunidade de jogar fora do Brasil me ajudou muito. Eu já fui pra lá orientado e sabendo exatamente como me comportar. Por exemplo, o Darío Pereyra, uruguaio, vivia no Brasil, e ele gostava muito de mim. Inclusive a minha primeira chuteira importada foi ele quem me deu. E o Darío falava: "Wagner, se eu fosse fazer aqui no Brasil o que a gente faz lá no Uruguai, não ia dar certo. Eu tenho que viver aqui de acordo com as regras daqui." Então isso me ajudou muito. Aprender o idioma, a cultura, respeitar as diferenças... Isso é fundamental pra você conseguir se adaptar em qualquer país.

Só de eles verem que você está aprendendo, está estudando, você já é mais respeitado.
Eles já te tratam com um respeito diferente.

A seleção do Japão em um amistoso em 1998 contra o Egito, em Osaka - em pé, da esquerda pra direita: Nakayama, Lopes, Soma, Saito, Kawaguchi; agachados: Nanami, Oku, Mochizuki, Akita, Nakata e Ihara.

Quando você foi para o Japão, ainda não tinha a liga profissional.
Era amadora a liga.

Quando foi a primeira vez que você ouvir falar da J-League, que estavam criando uma liga profissional?
Eu fui pra lá em 1987. A melhor posição que o Nissan já tinha conquistado foi um quinto lugar. Aí nós fomos campeões da tríplice coroa: A Copa de Verão (JSL Cup), a Tennouhai (Copa do Imperador) e a Nihon League (Liga Japonesa). Em 1989 nós ficamos sabendo de um movimento na federação que estaria preparando um campeonato profissional. Com a ida do Oscar, do Milton Cruz, do Zé Sérgio... Esses jogadores começaram a motivar o público a ir ver futebol, não só beisebol, não só sumô, não só vôlei, enfim... A chegada de grandes astros do futebol mundial começou a atrair a atenção. Aí veio 1990, 1991, 1992... Foi em 1993 que deram o "start" na J-League. Mas no meio do ano em 1992 já tinham os dez times que levantaram a mão e se prepararam. Eram sete itens para conseguir uma vaga na J-League. A federação exigia ter um estádio de pelo menos 15.000 lugares, contratar três jogadores de renome internacional, ter mais ou menos 10 milhões de dólares pra poder investir no time profissional, itens assim. Aí depois de dez times passou pra doze, depois catorze, dezesseis, e agora são dezoito times. Foi uma transição muito trabalhosa, muito lenta, não foi de uma hora pra outra. A fase de elaboração da J-League foi de 1989 até 1993.

O time que você estava na época do início da J-League, o Hitachi, teoricamente tinha sido promovido mas não jogou a primeira divisão...
Ele demorou pra levantar a mão. Demorou pra preparar o estádio, aí acabou indo pra segunda divisão. Eu estava quando nós fomos vice-campeões e subimos pra primeira divisão. Eu, Careca, Nelsinho, Régis e Aílton éramos os cinco estrangeiros que estavam no time profissional. Foi uma festa muito grande em Kashiwa. Meu filho mais velho é nascido lá. Então foi muito bacana essa época de transição do Nihon Sakka para a J-League.

E você estreou na J-League quando estava no Bellmare.
Eu estava no Bellmare, isso.

Wagner fez 48 gols durante as duas temporadas em que jogou pelo Bellmare Hiratsuka

Como foi poder finalmente participar da liga?
Depois de dez anos no futebol japonês, ter sempre passado perto e não ter a oportunidade de jogar era uma frustração... "Todo ano eu faço gols, todo ano eu sou um dos artilheiros da liga, mas não tive a oportunidade ainda de jogar na J-League." Isso dava uma tristeza grande. Mas eu acho que tudo na vida tem a hora certa. Então, com muita força, com muita determinação, com muito trabalho... Chegou uma hora que eu tinha dez propostas, todos os times me queriam. Isso foi motivo de muito orgulho, porque depois de tanta dedicação eu consegui colher o que eu queria.

É verdade que existe ou existiu a tendência do torcedor gostar mais dos jogadores do que do próprio time? Por exemplo, se o ídolo de um time se transferia de clube, os torcedores iam junto com ele.
Aconteceu muito isso comigo. Em todos os times que fui, os torcedores de onde eu já tinha jogado vinham torcer para o meu time. Eles compravam o nenkan tiketto (ingresso anual), lá eles falam "comprar o boleto", aí você estava garantido em todos os jogos em casa. Então eu tenho muitos amigos graças a isso. Não só durante os jogos eu fazia o meu melhor, mas no treinamento dava autógrafo, conversava com os torcedores, tirava fotografia, dava uma atenção mais especial. Isso fazia com que houvesse uma identificação e esses torcedores às vezes viajavam 1000 quilômetros pra ir torcer pelo meu time. Então isso é um motivo de orgulho também, sabe?

Tem alguma outra característica do torcedor japonês que é bem diferente do brasileiro?
Tem. Eu sempre dei muita atenção para o torcedor, porque ele paga o ingresso pra ir ver você jogar, então indiretamente ele paga o seu salário. Às vezes eu estava com a minha família na Disney ou em um restaurante e em 17 anos nunca nenhum torcedor chegou pra mim desrespeitosamente. Eles não vinham falar comigo. Eles iam falar com o maitre ou o garçom do restaurante, perguntar antecipadamente, se depois da minha refeição, se eu poderia autografar, se eu poderia tirar uma fotografia; e eu sempre falava: "Não, fala pra ele vir agora, eu paro de comer, fala pra ele vir agora." Então isso aproximava muito o torcedor de mim. Porque não importava se eu estava cansado, se eu estava triste, se eu estava feliz, se eu estava em um momento privativo com a minha família; eu parava pra atender os torcedores que gostavam de mim. Porque era por causa daquelas pessoas que eu tinha conseguido vivenciar aquilo tudo. Então sempre fiz muita questão, dei muita atenção pros meus torcedores nos clubes que eu joguei. E sempre foi assim: onde eu ia, sempre alguém vinha conversar, bater papo, falar "Eu tô torcendo" e tal. Isso é a melhor motivação que existe pra mim.

E quando foi que você decidiu se naturalizar?
Em 1992, quando o meu filho nasceu, em Kashiwa. E foi tão emocionante, porque eu tinha 23 pra 24 anos, era muito jovem ainda. Quando peguei ele no colo eu senti um orgulho danado de estar vivendo naquele país, de ter aprendido tantas coisas... E na minha cabeça - eu não tinha essa informação das leis -, eu não sabia que teria que levá-lo na embaixada brasileira pra registrá-lo como brasileiro. Eu achava que o meu filho fosse ganhar o passaporte japonês. No Japão é assim: se você for morar lá e o seu filho nascer lá, ele é brasileiro. E é um dos poucos países no mundo que é assim. Pro seu filho ter o passaporte japonês, o pai tem que ser nascido lá, tem que ser japonês. Então, quando peguei meu filho no colo, eu falei: "Você é japonês, você nasceu no Japão. Se eu me naturalizar... Eu gosto tanto deste país, nós vamos ficar aqui o resto da vida." Essa era a ideia. A primeira vez que pensei nisso foi quando peguei meu filho nos braços. E é engraçado porque ele era desse tamanho [mostra o braço da altura do cotovelo até a mão], pus ele assim [nos braços] e fiquei pensando e conversando com ele.

É bom deixar claro que você não se naturalizou pra jogar na seleção, né?
Não, não. Eu me naturalizei por amar o país. Por me identificar com a cultura, por respeitar a forma de pensar, a educação do povo japonês... Sendo bem sincero, eu achava que tinha jogadores muito melhores do que eu pra servir a seleção. Eu não pensava que o treinador fosse me levar pra uma Copa do Mundo. A minha intenção era ficar no Japão com meus dois filhos nascidos lá - o primeiro em Kashiwa e o outro em Hamamatsu -, e naquela época só podia ter três estrangeiros. Se eu me naturalizasse japonês, ia abrir mais uma vaga para o meu time ser forte pra ser campeão. Então, profissionalmente era bom, mas em nenhum momento alguém da federação me convidou pra jogar antes da naturalização, ninguém falou assim: "Se naturaliza que você vai jogar." Muito pelo contrário, não teve nada. Tanto é que eu comecei a naturalização em 1992 e só consegui em 1997. Se é outro já desistia, né?

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