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sábado, 7 de agosto de 2010

A Escócia inventou a eliminação da Copa do Mundo

A frase do título deste post é creditada a um jornalista da BBC, em relação às formas dramáticas que a Escócia encontrou de ser eliminada das Copas que participou.

Tudo começou nas eliminatórias para a Copa de 1950, a primeira que os países do Reino Unido tiveram a chance de participar. Conforme já falei no post sobre a Inglaterra, os países britânicos ignoraram as primeiras três Copas do Mundo e só voltaram a fazer parte da FIFA após a II Guerra Mundial.

Tradicionalmente, acontecia todos os anos o British Home Championship, um torneio envolvendo Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. A FIFA decidiu que os dois primeiros colocados ganhariam vaga para a Copa no Brasil. Porém - numa decisão que seria impensável atualmente -, o secretário da Scottish Football Association, George Graham, declarou que a Escócia só iria à Copa do Mundo como campeões britânicos.

Tudo começou bem, com a Escócia vencendo a Irlanda do Norte fora de casa por 8x2 e, em seguida, derrotando o País de Gales por 2x0 em Glasgow. A Inglaterra fez até melhor: 9x2 contra a Irlanda do Norte em Wembley e 4x1 contra o País de Gales em Cardiff. Ingleses e escoceses fariam a partida final no Hampden Park, em Glasgow. A Escócia precisava de pelo menos um empate para terminar como campeã em conjunto com a Inglaterra e garantir a classificação - ainda não eram usados critérios de desempate. Os ingleses já haviam declarado que iriam à Copa mesmo com o segundo lugar, então a pressão estava toda do lado escocês.

Com um gol de Roy Bentley aos 18 minutos do segundo tempo, a Inglaterra venceu por 1x0, conquistando o título e acabando com o sonho da Escócia de ir à sua primeira Copa do Mundo. Desesperados, os jogadores imploraram aos executivos da SFA que voltassem atrás e aceitassem a vaga que era deles por direito. Porém, o orgulho falou mais alto e a palavra de Graham foi mantida.

Em 1954, mais uma vez a Escócia perdeu para a Inglaterra e ficou com o segundo lugar. Porém, desta vez a SFA não falou mais do que deveria e levou seu time à Suíça. Mas parece que os executivos não pensaram muito no time - mesmo com a possibilidade de levar 22 jogadores, apenas 13 foram ao mundial, conforme relatou o ex-jogador Tommy Docherty. Segundo ele, a SFA não pagaria as despesas de mais jogadores, mas o avião que levou o grupo estava cheio de executivos e suas esposas. Docherty diz que esse descaso aos jogadores causou o fracasso escocês tanto em 1954 quanto em 1958, quando foram eliminados na primeira fase. A Escócia não tinha nem técnico na época! Era o comitê da SFA quem escalava os jogadores, e um treinador (ou preparador físico) quem chegava mais perto do papel de um técnico.

Mas as eliminações dramáticas ainda estavam por vir. Depois de uma ausência de 16 anos, a Escócia se classificou para a Copa de 1974, na Alemanha, e acabou ficando marcada como a primeira equipe a ser eliminada mesmo sem perder nenhum jogo. Com uma vitória contra o Zaire (2x0) e empates contra Brasil (0x0) e Iugoslávia (1x1), os escoceses foram desclassificados por terem um gol de saldo a menos que o Brasil. As partidas contra o Zaire foram o diferencial - O Brasil venceu por 3x0 enquanto a Iugoslávia emplacou uma goleada de 9x0.

Em 1978, a Escócia foi à Argentina com grandes expectativas. O sempre entusiasmado e confiante técnico Ally MacLeod declarou que seu time, se não ganhasse a Copa do Mundo, certamente voltaria pra casa com uma medalha. A euforia da torcida era tão grande que, antes da partida da seleção para a Argentina, os jogadores desfilaram para um Hampden Park lotado. Eles acreditavam que poderiam ser campeões.

Entretanto, as coisas se complicaram logo na primeira partida, contra o Peru. Apesar de terem marcado o primeiro gol, eles sofreram a virada e os peruanos venceram por 3x1, com dois gols do destaque Teofilo Cubillas. Pra piorar ainda mais, o atacante Willie Johnston foi pego no anti-doping e banido da competição.

Na segunda partida, contra o estreante Irã, a vitória era dada como certa. Mas não foi o que aconteceu. Mais uma vez os escoceses marcaram o primeiro gol e depois sofreram o empate. Jogando mal, não seria uma surpresa se tivessem perdido mais uma. A imagem de MacLeod com a mão na cabeça resumia a decepção de um país inteiro. Aquilo era um verdadeiro desastre.

 A imagem do técnico Ally MacLeod com a mão na cabeça tornou-se um símbolo do fracasso de 1978

No último jogo, a poderosa Holanda, atual vice-campeã mundial e uma das favoritas ao título. A Escócia precisava vencer por três gols de diferença. Missão impossível? É o que parecia, mas o jogo reservava surpresas. A Holanda ainda saiu na frente aos 34 do primeiro tempo, com gol de pênalti de Rob Rensenbrink. Kenny Dalgish empatou no final do primeiro tempo e, logo no início do segundo, Archie Gemmill marcou de pênalti para fazer 2x1 e dar esperança aos escoceses. Aos 23 minutos, o mesmo Gemmill marca um golaço e deixa seu time a um gol da classificação que parecia impossível. Mas a alegria durou pouco. Três minutos depois, Johnny Rep diminui e joga um balde de água fria nas esperanças da Escócia, que mais uma vez foi eliminada no saldo de gols.

Em 1982 a história não foi diferente. Na fase de grupos, com uma vitória sobre a Nova Zelândia (5x2), uma derrota para o Brasil (4x1) e um empate contra a União Soviética (2x2), era a terceira vez seguida que a Escócia era eliminada no saldo de gols.

1986 nem merecia ser citado. Mesmo com o comando de Alex Ferguson, a Escócia ficou em último lugar em seu grupo, com derrotas para Dinamarca (1x0) e Alemanha (2x1) e um empate sem gols contra o Uruguai.

Em 1990 a Escócia começou com mais um vexame, derrota para a estreante Costa Rica (1x0). Na segunda partida, o time se recuperou e venceu a Suécia por 2x1. No terceiro jogo, contra o Brasil, um empate era o que os escoceses precisavam para se classificar. Eles conseguiram segurar o placar por quase o jogo inteiro, mas Muller marcou aos 37 do segundo tempo e o Brasil venceu por 1x0. Ainda havia a chance de se classificar como um dos melhores terceiros colocados se o Uruguai não derrotasse a Coreia do Sul. Era o que acontecia, até que o Uruguai marcou nos acréscimos.

Depois disso, a Escócia só voltou a uma Copa em 1998. Derrota para o Brasil (2x1), empate contra a Noruega (1x1) e derrota contra Marrocos (3x0) foi a fraca campanha que fez o time ficar em último lugar no grupo.

Apesar de serem os "co-criadores" do esporte e terem uma das torcidas mais fanáticas do mundo, os escoceses nunca tiveram muitas alegrias com sua seleção. Em oito participações, nunca passaram da primeira fase. Se levarmos em contra os eventos de 1950, dá pra dizer que o título deste post descreve perfeitamente a frustração do torcedor com a seleção da Escócia.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

1950 - Estados Unidos 1x0 Inglaterra

Copa do Mundo de 1950. Estádio Independência, em Belo Horizonte. A Inglaterra, uma das favoritas a levar o título, enfrenta os Estados Unidos, um time formado às pressas onde a maioria dos jogadores nem eram profissionais. Nas casas de apostas inglesas, uma vitória norte-americana era cotada em até 500 pra 1. Aquela vitória de 1x0 dos "amadores" contra os autoentitulados "reis do futebol" foi considerada pelos ingleses a maior zebra de todas as Copas.

A seleção americana e seu uniforme que ganhou uma versão parecida em 2010

Era a estreia de um país britânico numa Copa do Mundo. As quatro nações do Reino Unido - Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales - haviam se retirado da FIFA após a Primeira Guerra Mundial, pois não queriam relações com seus inimigos de guerra. Arrogância e orgulho também fizeram parte dessa decisão, pois acreditava-se que o futebol jogado no "continente" era inferior. Após a II Guerra Mundial, os britânicos voltaram a fazer parte da FIFA e a Inglaterra se classificou para a Copa de 1950, no Brasil.

A FA - The Football Association, a federação inglesa - não levava muito a sério a Copa do Mundo. Tanto que, ao mesmo tempo que começava a competição, uma "outra seleção" inglesa foi mandada ao Canadá em uma excursão. A estrela do time, Stanley Matthews - um dos melhores do mundo na época - também foi ao Canadá, para desespero do técnico Walter Winterbottom, que não pôde levar todos os jogadores que queria.

Matthews logo foi liberado para ir ao Brasil, mas não a tempo de jogar a primeira partida. Não teve problema; mesmo sem jogar muito bem a Inglaterra venceu o Chile por 2x0, gols de Stan Mortensen e Wilf Mannion. Por outro lado, os Estados Unidos perderam para a Espanha por 3x1. Os americanos até saíram na frente, mas não conseguiram segurar o resultado e levaram três gols nos 15 minutos finais.

A expectativa era que o time inglês sofresse mudanças para a segunda rodada, mas não foi o que aconteceu. Naquela época, não era o técnico quem escolhia os onze titulares para cada partida, e sim um comitê, que no caso era composto de apenas uma pessoa, Arthur Drewry - este que inclusive foi presidente da FIFA anos mais tarde. Drewry acreditou no "em time que está ganhando não se mexe" e escalou a mesma equipe da primeira partida. Como substituições ainda não eram permitidas, Matthews teve que assistir todo o jogo do banco.

A Inglaterra vinha com uma campanha de 23 vitórias, 3 empates e 4 derrotas no pós-guerra. Os Estados Unidos acumulavam derrotas em sequência, como um 9x0 contra a Itália em um recente jogo treino. Nem os americanos acreditavam num bom resultado - seu próprio técnico, o escocês William "Bill" Jeffrey, havia declarado à imprensa que seu time não tinha chances de ganhar.

Quando a bola rolou, parecia mesmo que seria um massacre. A Inglaterra atacava sem parar, mas, entre bolas na trave, chutes pra fora e defesas salvadoras do goleiro Frank Borghi, o placar não se alterava. Aos 38 minutos do primeiro tempo, algo raro de se ver: os Estados Unidos no campo de ataque. Ed McIlvenny cobra o lateral, Walter Bahr recebe, avança um pouco e manda a bola na área. Na frente do goleiro inglês, a bola é desviada pelo atacante haitiano Joe Gaetjens e vai pro fundo do gol.

Gaetjens faz um improvável gol que não ficou registrado em filme - há apenas fotos do lance

A partir daí, o time americano se animou e passou a jogar com mais confiança. A Inglaterra sufocava na base do desespero, mas Borghi sempre aparecia pra salvar a pátria. Não teve jeito, não era o dia dos ingleses. A partida acabou 1x0 e os americanos foram carregados pela multidão como heróis.

Como jogaram os dois times:

Estados Unidos: Frank Borghi, Harry Keough e Joe Maca; Ed McIlvenny, Charles Colombo e Walter Bahr; Frank Wallace, Gino Pariani, Joe Gaetjens, John Souza e Ed Souza. Técnico: Bill Jeffrey.

Inglaterra: Bert Williams, Alf Ramsey, Jack Aston e Billy Wright; Laurie Hughes e Jimmy Dickinson; Tom Finney, Wilf Mannion, Roy Bentley, Stan Mortensen e Jimmy Mullen. Técnico: Walter Winterbottom.

Os ingleses protestaram que o time americano tinha jogadores de outras nacionalidades. Só entre os que jogaram aquela histórica partida, Gaetjens era haitiano, Maca era belga e McIlvenny era escocês. Porém, todos eles haviam declarado interesse em adquirir a cidadania americana, o que, pelas regras da federação americana, já era suficiente para que pudessem defender a seleção. No final das contas, apenas Joe Maca ganhou a cidadania americana. Os outros foram jogar na Europa.

Na sequência da competição, a Inglaterra enfrentou a Espanha, com quatro mudanças no time - Matthews finalmente fez sua estreia. Mas os ingleses deram vexame novamente, perderam por 1x0 e foram eliminados. Os Estados Unidos também perderam - 5x2 para o Chile -, mas foram pra casa com a sensação de dever cumprido.

Apesar de tudo, o grande feito passou despercebido pela maioria dos americanos. Como o "soccer" não era muito popular, quase nenhum jornal noticiou a Copa do Mundo. Até mesmo os próprios jogadores só foram se dar conta da importância daquela vitória anos mais tarde, quando o futebol passou a ser mais divulgado pela mídia. O time de 1950 foi para o Hall da Fama do esporte em 1976.

Gaetjens, autor do gol da vitória, era um estudante de intercâmbio e trabalhava em um restaurante como lavador de pratos. Em 1964, foi morto de forma obscura no Haiti durante uma rebelião política.

Na Inglaterra também não houve muita repercussão. Na época, os jornais tinham apenas uma página para esportes e, justo naquele dia, a seleção inglesa de críquete havia perdido pela primeira vez na história, para as Índias Ocidentais. Foi colocada apenas uma nota com o resultado da partida de futebol. Detalhe: tão inesperado foi aquele resultado, os jornais publicaram que a Inglaterra havia vencido por 10x1, achando que aquele 0x1 foi um erro de escrita.

A Inglaterra jogou de azul aquele dia. Desde então, eles evitaram usar esse uniforme novamente, tamanha foi a dor daquela derrota. Parece que era moda na época. Afinal, o Brasil também resolveu mudar seu uniforme e não se vestiu mais de branco por causa da derrota para o Uruguai em 1950.

sábado, 24 de julho de 2010

O Jogo do Século

Qual seria o jogo do século pra você? Uma vitória do Brasil numa Copa do Mundo? Uma vitória do seu time ao ser campeão? Para os ingleses, o jogo do século (passado)  foi um amistoso em 1953 onde sua seleção foi derrotada. Mas essa partida foi muito mais que um simples amistoso. Foi um marco, um divisor de águas na história do esporte bretão.

Para entender a importância dessa partida, vamos ao contexto da época. Como já mostrei aqui, a Hungria tinha um time fantástico no início dos anos 1950 e ficou quatro anos invicta. Porém, os ingleses só foram ter uma noção do quão forte era essa Hungria no fatídico 25 de novembro de 1953.

O ingresso do jogo / Foto: MagyarFutball.hu

Desde que as regras do esporte haviam sido oficializadas, em 1863, 90 anos haviam se passado. Mesmo com o fracasso na Copa de 1950, acreditava-se na Inglaterra que seu futebol era superior ao resto do mundo. Eles tinham um time com muitos jogadores famosos; o principal deles era o veterano Stanley Matthews que, mesmo aos 38 anos, estava em plena forma e era um dos melhores do mundo. Inclusive, Matthews foi eleito o melhor jogador da Europa aos 41 anos e só se aposentou aos 50. Destaque também para o centroavante Stan Mortensen e o meia e capitão Billy Wright.

Sabia-se que os húngaros eram os atuais campeões olímpicos e não perdiam um jogo há três anos. Apesar disso, nada menos que uma convincente vitória era esperada pelos ingleses. Dez dias antes, a Hungria havia enfrentado a Suécia em Budapeste. Jogando mal, conseguiram apenas um empate em 2x2 e foram vaiados pela torcida. O capitão inglês estava lá e declarou que seu time venceria aquela Hungria sem problemas. A imprensa passou a dizer que o vencedor desse amistoso seria o melhor time do mundo e designou a partida como "O Jogo do Século."

Os ingleses jogariam a partida de suas vidas, onde a única opção era vencer. Por outro lado, para os húngaros, não havia pressão nenhuma pela vitória, o que deixou todos tranquilos. Mas essa tranquilidade quase virou nervosismo ao entrar em campo. Wembley estava lotado com aproximadamente 100.000 pessoas. Para evitar a tensão, o capitão húngaro Ferenc Puskás começou a fazer embaixadinhas no aquecimento, para espanto da torcida - aquilo era algo que eles nunca tinham visto. Assim que começou a partida, o nervosismo não existia mais e os ingleses se espantariam mais ainda. A Hungria jogava seu melhor futebol e abriu o placar aos 43 segundos, com um chute no ângulo de Nándor Hidegkuti. Esse primeiro minuto de jogo mostrou bem o que seriam os próximos 89: um massacre.

Disposição tática das duas equipes

A Inglaterra jogava com o famoso WM (3-2-2-3), que era a formação padrão há mais de 20 anos. A Hungria vinha com uma formação até então desconhecida, uma variação do WM que originou o 4-2-4. O técnico húngaro Gusztáv Sebes preparou sua seleção para explorar os pontos fracos ingleses. Treinou sua equipe por três semanas enfrentando times que simulavam a forma inglesa de jogar. E deu certo: ao contrário do rígido sistema inglês onde os jogadores tinham posições fixas, os húngaros se movimentavam sem parar, o tempo todo. A supremacia inglesa era contestada. Os donos da casa eram derrotados física, tática e tecnicamente.

A Inglaterra até esboçou uma reação após tomar o primeiro gol. Numa jogada de contra-ataque, Jackie Sewell chutou rasteiro no canto do goleiro Grosics para empatar aos 13 minutos. O jogo era muito aberto e a Hungria perdia chances incríveis de marcar. Aos 20, depois de um pênalti não marcado pelo juiz, Hidegkuti pegou o rebote e não desperdiçou: 2x1.

A Inglaterra jogava mal, errava muitos passes e se perdia na marcação. O zagueiro central Harry Johnston não sabia o que fazer. Ele deveria marcar Hidegkuti, mas este jogava recuado, como um meia ofensivo. Quando ia pra marcação, ele deixava espaços nas suas costas. Quando ficava na sua posição, o camisa 9 húngaro tinha liberdade pra armar.

Aos 23 minutos, o gol que Puskás definiu como o mais bonito de sua carreira - ele recebeu a bola na área e, com um toquinho com a sola do pé esquerdo, trouxe a bola pra trás e deixou o capitão inglês no chão. Na cara do gol, foi só chutar pra fazer o terceiro. Lance de gênio.

Veja todos os gols do jogo

Aos 26, Bozsik cobra falta e Puskás desvia, fazendo o quarto gol. A Inglaterra ainda consegue diminuir aos 38, com gol de Mortensen em mais um contra-ataque. No segundo tempo, o massacre continua: Bozsik chuta de fora da área e faz 5x2 aos 5 minutos. Aos 8, Hidegkuti faz o seu hat-trick com um chute de primeira, depois de um passe perfeito de Puskás. Mais um golaço. Em cobrança de pênalti aos 12 minutos, Alf Ramsey diminuiu. E assim seguiu até o final, Inglaterra 3x6 Hungria. A torcida aplaudia de pé o time húngaro enquanto eles saíam de campo.

Essa partida é lembrada como a primeira derrota da Inglaterra pra um time estrangeiro jogando em casa. Porém, eles já haviam perdido para a Escócia quatro vezes em Wembley e uma vez para a Irlanda em Goodison Park. Logo, foi a primeira vez que um país de fora das ilhas britânicas venceu em Wembley.

Pode-se dizer que os ingleses tiveram sorte de terem perdido "só" de 6x3. Foram 35 chutes a gol da Hungria contra apenas 5 da Inglaterra. As palavras de Sir Bobby Robson, apenas um expectador na época, definem bem o que foi a partida: "Era um estilo de jogo que nunca tínhamos visto antes. Não conhecíamos nenhum daqueles jogadores. Não conhecíamos Puskás. Eram todos homens de Marte pra nós. Aquele jogo mudou nossa forma de pensar. Pensamos que íamos destruir aquele time. Nós éramos os mestres, e eles, os pupilos. Foi totalmente o contrário."

 Foto: MagyarFutball.hu

A partir dessa derrota, o futebol inglês mudou. Tiveram que admitir que outro país poderia jogar melhor que eles e que a supremacia de 90 anos não existia mais. O técnico inglês Walter Winterbottom passou a aplicar aos poucos o que havia aprendido com os húngaros. O sistema usado por eles foi evoluindo até chegar ao 4-4-2, que hoje é usado pela maioria dos times em todo o mundo.

Um fato curioso é que a Hungria foi derrotada em todas as outras seis ocasiões em que jogou em Wembley. E na próxima data FIFA onde as seleções farão amistosos, quem é que vão se enfrentar? Inglaterra x Hungria em Wembley, dia 11 de agosto de 2010. Pena que hoje a era de ouro dos Magiares Mágicos é apenas uma lembrança distante...

Referências:
England Football Online - História da Inglaterra jogando em Wembley
História em Jogo - Blog de Mauro Beting, onde ele faz uma análise lance a lance do "Jogo do Século"
Terra Magazine - Entrevista com Grosics e Buzánszky, os únicos jogadores daquele time da Hungria que ainda estão vivos
Wikipédia

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O auge e a decadência do futebol húngaro - Parte 2

Ir para parte 1

 A Copa do Mundo na Suíça

O primeiro jogo da Hungria na Copa de 1954 foi contra a Coreia do Sul, que fazia sua estreia em Copas. O time coreano não era muito conhecido, mas todos esperavam que a Hungria vencesse com facilidade. O que não esperavam é que fosse com tanta facilidade! Com um gol de Lantos, um de Czibor, dois de Puskás, dois de Palotás e três de Kocsis, estava estabelecida a maior goleada de uma Copa de Mundo até o momento, 9x0.

Na segunda partida, o adversário era a Alemanha. Sepp Herberger, o técnico alemão, tomou uma decisão inusitada: sabendo que seu time tinha poucas chances de vencer a Hungria e que seria um jogo muito desgastante, ele resolveu poupar alguns titulares e entrou em campo com metade do time reserva. Os húngaros, como esperado, deram mais um show. Aos 21 do primeiro tempo, já estava 3x0. Com quatro gols de Kocsis, um de Puskás, dois de Hidegkuti e um de József Tóth, a partida acabou 8x3. Pfaff, Rahn e Herrmann descontaram para os alemães. Mas a Hungria teve um problema grave nesse jogo: o capitão Ferenc Puskás sofreu uma violenta entrada por trás de Werner Liebrich e torceu o tornozelo. Devido à lesão, Puskás acabou ficando de fora nos dois jogos seguintes.

Pelo bizarro regulamento da Copa de 54, cada time jogava só duas vezes na primeira fase. Mas como Alemanha e Turquia estavam empatados com uma vitória e uma derrota, houve um jogo desempate entre eles. Foi nisso que apostou o técnico alemão ao decidir não enfrentar a Hungria com força total. Deu certo, a Alemanha venceu a seleção turca por 7x2 e se classificou.

Um ponto curioso é que os confrontos da fase final eram decididos por sorteio. Logo, não fazia diferença se classificar em primeiro ou segundo no grupo. Tanto que os vencedores de cada grupo caíram na mesma chave (Brasil, Hungria, Uruguai e Inglaterra), enquanto os segundos colocados já tinham um representante garantido na final (Iugoslávia, Alemanha, Áustria ou Suíça).

A Batalha de Berna

O adversário dos húngaros nas quartas de final era o Brasil, atual vice-campeão do mundo e que tinha jogadores como Djalma Santos, Nilton Santos, Julinho e Didi. Diziam até que era a final antecipada. 60.000 pessoas assistiram o jogo no Wankdorf Stadium, em Berna. Foi uma partida tão violenta que acabou recebendo o nome "Batalha de Berna".

Mesmo sem Puskás, a Hungria começou arrasadora. Hidegkuti marcou aos 4 e Kocsis aos 7 do primeiro tempo. O Brasil foi pra cima e diminuiu aos 18, com Djalma Santos cobrando pênalti. Os dois times estavam nervosos e abusavam das faltas duras. O clima não era nada amistoso. Fora do lance, Brandãozinho levou um chute na canela de Hidekguti e revidou com um soco na orelha, quase levando o adversário a nocaute. O juiz nem viu. Nilton Santos e Pinheiro acertaram Tóth ao mesmo tempo em uma dividida, que saiu mancando. Aos 15 do segundo tempo, Pinheiro toca a mão na bola dentro da área. Lantos bate o pênalti e faz 3x1. Cinco minutos depois, o Brasil diminui com Julinho. A tensão aumentava cada vez mais. Aos 26, Nilton Santos e Bozsik se desentenderam, trocaram socos e foram expulsos. Aos 34, Humberto Tozzi, em vez de acertar a bola, acertou uma voadora em Lóránt e também foi mandado embora. Os brasileiros buscavam o empate mas, com um jogador a menos, a situação se complicou. A dois minutos do fim, Kocsis marcou mais um e definiu: Hungria 4x2 Brasil.

Ao fim do jogo, Czibor estendeu a mão para cumprimentar Maurinho, mas ele tirou a mão e deixou o brasileiro no vácuo, que revidou com um soco na barriga. Mais tumulto. Pra piorar, o vestiário dos dois times era um do lado do outro. Quando os jogadores estavam saindo, o médico do Brasil tentou acertar uma garrafa de água (que, na época, era de vidro) em Puskás, que estava à beira do campo, mas errou o alvo e acabou acertando a testa do zagueiro Pinheiro. Quando ele se virou pra ver quem tinha jogado, alguém gritou: "Foi o Puskás!". Começou de vez a pancadaria. Membros da comissão técnica, até radialistas e jornalistas entraram na briga. No meio da confusão, o técnico brasileiro Zezé Moreira acertou uma chuteira (que tinha travas de madeira) no rosto do técnico húngaro. Apesar de todo esse quebra-pau, ninguém se feriu seriamente. Inclusive, não existia suspensão automática e o húngaro que foi expulso jogou normalmente a partida seguinte.

Na semifinal, mais um tabu para os húngaros derrubarem: vencer o Uruguai, atual campeão e que nunca havia perdido um jogo de Copa. Ainda sem Puskás, a Hungria continuou no mesmo ritmo: fez logo 1x0 aos 13 minutos com Czibor, e ampliou no primeiro minuto do segundo tempo com gol de Hidegkuti. Mas os uruguaios não se renderam. Juan Hohberg diminuiu aos 30 e empatou a quatro minutos do fim. Na prorrogação, os dois times partiram em busca da vitória e o jogo ficou aberto, com chances para os dois lados. Com dois gols do artilheiro Kocsis, a Hungria saiu vitoriosa com 4x2 no placar. Os 37.000 presentes no estádio La Pontaisse, em Lausanne, aplaudiram de pé o espetáculo.

O Milagre de Berna

Chegou a grande final, o dia em que a Hungria poderia se consagrar de vez como o melhor time do mundo. O adversário seria mais uma vez a Alemanha, que já havia tomado uma goleada histórica na primeira fase quando jogou com um time misto. Mas os alemães, comandados pelos irmãos Fritz e Ottmar Walter, se recuperaram e chegaram com méritos à final, ganhando a confiança da torcida ao golear a Áustria por 6x1 na semifinal.

Chovia no dia do jogo, o que os alemães consideravam um bom presságio. Diziam que Fritz Walter jogava o seu melhor futebol na chuva, o que era chamado de "Fritz Walter Wetter" (o tempo de Fritz Walter). Além do mais, jogar na chuva era mais desgastante, e os húngaros vinham de duas partidas duríssimas.

Outro ponto interessante dessa semifinal foi as chuteiras usadas pelo time alemão. Adi Dassler, fundador da Adidas, havia recentemente inventado as chuteiras de travas ajustáveis. A ideia era que as travas poderiam ser parafusadas para ficar maiores ou menores, dependendo das condições do campo. Com o tempo chuvoso, Dassler logo foi solicitado pelo técnico Sepp Herberger para aumentar as travas das chuteiras, o que daria mais aderência aos jogadores no campo molhado e que logo estaria enlamaçado no estádio Wankdorf.

Os capitães Ferenc Puskás e Fritz Walter cumprimentam-se antes do jogo (foto: FIFA.com)

Puskás finalmente retornou, mas visivelmente não estava nas suas melhores condições e jogou no sacrifício. Mesmo assim, parecia que nada ia parar os magiares. Como sempre, começaram arrasadores, marcando no início da partida. Puskás fez 1x0 aos 6 minutos e Czibor ampliou aos 8. Tudo indicava mais uma goleada e vitória fácil. Mas logo aos 10 minutos Morlock diminuiu e deu esperanças ao alemães, que pareciam incrédulos quando Rahn empatou aos 18. 2x2 no placar. O goleiro Grosics foi empurrado no lance, mas nenhum húngaro reclamou. Eles simplesmente nunca reclamavam com os juízes, porque qualquer erro sempre era compensado com os muitos gols que faziam. 

A chuva continuava caindo forte e a tensão só aumentava. Os alemães equilibraram o jogo e ameaçavam até virar o placar. A Hungria mostrava cansaço, desgaste depois do violento jogo contra o Brasil e da prorrogação contra o Uruguai. Mas por pouco não fizeram o terceiro. O zagueiro alemão cortou um chute em cima da linha quando o goleiro Turek já estava vencido. Em outro lance, Hidegkuti mandou a bola no travessão. A seis minutos do fim, a Alemanha lança a bola na área, que é cortada pela defesa. Helmut Rahn pega o rebote e chuta da entrada da área, no canto de Grosics. Os alemães viram o jogo e a torcida vai ao delírio. Puskás ainda fez o gol de empate no finalzinho, mas, em uma decisão polêmica, foi marcado impedimento. Fim de jogo, a Alemanha era campeã do mundo.

Assim chegou ao fim a sequência invicta de 31 jogos em quatro anos dos húngaros, com uma derrota no jogo mais importante de sua história. Para os alemães, foi uma vitória heróica, fantástica, inesquecível. O Milagre de Berna, como ficou conhecida essa final, virou até filme. Foi uma proeza tão grande quanto a do Uruguai quatro anos atrás. Para os húngaros, essa derrota foi o fim de uma geração de ouro. Um fim inesperado e melancólico para um dos melhores times que o mundo viu jogar. Essa Hungria poderia muito bem continuar brilhando, mas os acontecimentos que se seguiram impediram que isso acontecesse.

O fim de uma geração de ouro

Em 1956, houve uma revolução na Hungria contra o controle soviético. Quando isso aconteceu, o Honvéd estava na Espanha, jogando pela antiga Copa dos Campeões da Europa contra o Athletic Bilbao, onde foram derrotados por 3x2. Havia guerra civil em Budapeste. Milhares de tanques soviéticos invadiram a cidade, que foi bombardeada. Os jogadores decidiram não voltar para a Hungria e o jogo de volta foi realizado na Bélgica. Logo no início, o goleiro Grosics se machucou. Como substituições ainda não eram permitidas, Czibor foi jogar no gol. Em desvantagem, o Honvéd conseguiu apenas um empate em 3x3, que os eliminou da competição.

Assim, o time que era a base da seleção ficou sem rumo. Mesmo com a FIFA e o governo soviético - que deu um fim na revolução - pedindo para que retornassem, eles decidiram chamar seus familiares de Budapeste e fazer uma excursão pelo mundo para arrecadar fundos. Passaram por Itália, Espanha, Portugal e até foram ao Brasil, onde jogaram cinco partidas: derrota para o Flamengo (6x4), vitória contra o Botafogo (4x2), mais duas vitórias contra o Flamengo (6x4 e 3x2) e derrota para um combinado entre Flamengo e Botafogo (6x2).

Porém, aquele time não existia mais oficialmente. Foram banidos pela FIFA e proibidos de usarem o nome Honvéd. Depois da excursão pelo Brasil, os jogadores se separaram e cada um tomou o seu rumo. Alguns foram perdoados e resolveram voltar pra Hungria, como Grosics, Lóránt, Bozsik e Budai. Outros acabaram jogando no oeste da Europa. Em 1958, Czibor e Kocsis foram para o Barcelona. Puskás, depois de vagar pela Europa e ficar um ano sem jogar, assinou com o Real Madrid e foi uma das estrelas do time que dominou a Europa no final dos anos 50.

A decadência

De volta à Hungria, o Honvéd fez uma péssima campanha sem seus principais jogadores e só não foi rebaixado porque decidiram expandir a primeira divisão. Apenas nos anos 80 eles foram novamente campeões nacionais.

A seleção foi se enfraquecendo aos poucos e nunca mais passou das quartas de final em uma Copa do Mundo. Sua última participação foi em 1986, onde não passou da primeira fase. A última vez que participaram de uma Eurocopa foi em 1972.

Nos anos 60 os magiares ainda tiveram um certo sucesso, com dois títulos olímpicos (1964 e 1968), um 5º lugar na Copa de 1962 e um 6º lugar na Copa de 1966. Ainda surgiram grandes jogadores, como Lajos Tichy, Albert Flórián, Ferenc Bene e Janos Fárkas. Mas parou por aí.

A Hungria ainda conseguia ser competitiva até o início dos anos 90, quando o comunismo deixou de existir definitivamente. Hoje eles não têm relevância nenhuma no cenário internacional. A sua liga é fraca e tem suspeita de manipulação de resultados. O público é pouco - o atual campeão, Debreceni, teve a média de 4.700 torcedores por jogo na última temporada -, os investidores são poucos e a televisão paga pouco pra transmitir os jogos. Em 2006, o Ferencvários, clube mais popular do país, foi rebaixado por não pagar o que devia há anos. Os times estão afundados em dívidas e não conseguem fazer um trabalho decente com as categorias de base.

Só na temporada passada é que conseguiram colocar um time na fase de grupos da Liga dos Campeões depois de mais de 10 anos. Isso porque a UEFA mudou as regras para facilitar a entrada de equipes de ligas menores. Mesmo assim, o Debreceni fez uma campanha muito ruim, levando goleadas e perdendo todos os seis jogos que disputou. Na seleção também as coisas vão mal. Num amistoso disputado em junho, a Hungria perdeu da Holanda de 6x1.

O maior problema do futebol húngaro é administrativo. O que não é diferente de vários outros países, mas parece que a situação por lá é desesperadora. Muita coisa precisa ser feita. A situação não deve melhorar tão cedo, mas pode ter surgido um fio de esperança quando a Hungria conseguiu o 3º lugar no mundial sub-20 em 2009. Os jovens Krisztián Németh e Vladimir Koman, de 21 anos, são boas promessas. Quem sabe eles não façam como fez o Uruguai na Copa de 2010 e mostrem um brilho digno dos antigos tempos de glória?

Seleção Sub-20 da Hungria comemora o 3º lugar no Mundial do Egito depois de uma disputa por pênaltis.
À esquerda, com a camisa 9, Krisztián Németh. Vladimir Koman é o 7, com a braçadeira de capitão. 
Foto: Getty Images

Referências:
Balípodo 
BBC
FIFA.com
Football Memorian
IFHOF
MagyarFutball
Milano FC 
NSCAA 
Olheiros
Preleção 
UOL Esporte
Wapedia
Wikipédia 

sábado, 17 de julho de 2010

O auge e a decadência do futebol húngaro - Parte 1

Até meados do século passado, a Hungria era uma potência do futebol mundial. Conseguiu façanhas como ficar quatro anos invicta (entre 1950 e 1954), ser a primeira seleção não-britânica a derrotar a Inglaterra em solo inglês, além de três medalhas de ouro olímpicas (1952, 1964 e 1968) e dois vice-campeonatos em Copas do Mundo (1938 e 1954). A Hungria possuía alguns dos melhores jogadores do mundo, distribuía goleadas e era temida por todos. Porém, o futebol húngaro foi enfraquecendo com o passar dos anos. Craques não mais surgiram lá e hoje a sua seleção não consegue nem se classificar para a Copa do Mundo ou a Eurocopa. O que pode ter acontecido que causou toda essa decadência?

Surge uma potência no futebol

Desde a década de 30, a Hungria já tinha uma seleção forte. Em 1934, porém, na sua primeira Copa, pararam nas quartas de final, derrotados por 2x1 pela Áustria, que também era uma das forças da época. Em 1938, Chegaram à final com vitórias sobre Índias Holandesas (atual Indonésia, 6x0), Suíça (2x0) e Suécia (5x1). Apesar de terem o melhor ataque da competição, foram derrotados pelos italianos na final (4x2). Tiveram ainda o vice e o terceiro artilheiro da competição, Gyula Zsengellér (6 gols) e György Sárosi (5 gols).

Mas ainda estava por vir a geração de ouro dos "Magiares Mágicos"*. Em 1945, com o fim da II Guerra Mundial, encerrou-se o governo de extrema direita alinhado ao nazismo no país e entrou em vigor o regime socialista da União Soviética. Com o objetivo de usar o futebol para fazer propaganda política, o governo apropriou-se da seleção nacional e do Kispest FC, time da capital Budapeste. O Kispest, que já usava um uniforme vermelho (as cores do comunismo), teve seu nome mudado pra Honvéd que, em húngaro, quer dizer 'soldado', ou 'defensor da pátria'.

O vice-ministro dos esportes Guzstáv Sebes recebeu o cargo de treinador da seleção e a missão de formar um time campeão. Junto com seu assistente Gyula Mándi, procurou talentos por todo o país e os colocou pra jogar no Honvéd. Apesar disso, aquele que se tornou o principal jogador do time nasceu e cresceu nas vizinhanças do clube. Era Ferenc Puskás, um dos maiores jogadores de todos os tempos.

O Jovem Puskás no Honvéd / foto: Getty Images

Puskás era baixinho, alguns diziam que até acima do peso. Era péssimo cebeceador e só conseguia chutar com a perna esquerda. Mas isso não fazia diferença perto de seu enorme talento. Rápido, driblador, inteligente, excelente nos passes curtos e com um chute arrasador, Puskás ganhou o apelido de "Major Galopante". Ele jogou no time local (quando ainda se chamava Kispest) desde os 11 anos.

Não foi só o nome do time que mudou quando este passou a ser administrado pelo exército húngaro. Sebes implantou uma disciplina militar de treinamentos. Chegaram os maiores talentos do país, que acabaram formando a base da seleção. Destaque para o goleiro Gyula Grosics, o zagueiro Gyula Lóránt, os meias József Bozsik e Lázsló Budai e os atacantes Sándor Kocsis, Ferenc Puskás e Zoltán Czibor. Jogando sempre juntos, o entrosamento entre eles era o melhor possível. De mero figurante, o Honvéd passou a ser a maior força do país, vencendo o campeonato nacional em 1949-1950, 1950, 1952, 1954 e 1955. Seu único rival foi o MTK, campeão em 1951 e 1953 e que tinha três estrelas da seleção: o zagueiro Mihály Lantos, o meia József Zakariás e o atacante Nándor Hidegkuti.

A máquina húngara começa a conquistar o mundo

Aos poucos, Sebes foi dando forma à sua seleção em amistosos. Jogando em Viena, os húngaros foram derrotados pela Áustria por 3x2, em maio de 1950. Mas a partir daí começou a impressionante série invicta dos Magiares Mágicos, com uma vitória sobre a Polônia por 5x2, em Varsóvia.

Em 1952, vieram as Olimpíadas de Helsinque, na Finlândia. Com uma campanha perfeita de cinco vitórias em cinco jogos (2x1 Romênia, 3x0 Itália, 7x1 Turquia, 6x0 Suécia e 2x0 Iugoslávia), os húngaros conquistaram sua primeira grande glória e levaram a medalha de ouro pra casa.

Hungria e Inglaterra naquele que os ingleses chamaram de "Jogo do Século"

Em 1953, a Hungria foi até Wembley jogar um amistoso contra os ingleses diante de um público de mais de 100.000 pessoas. A Inglaterra nunca havia perdido em casa pra um time de fora da Grã-Bretanha, e ainda vivia um bom momento nas eliminatórias para a Copa do Mundo na Suíça no ano seguinte. A expectativa era de uma grande vitória mas, no final, todos ficaram estarrecidos: a Hungria deu um show e venceu por incríveis 6x3. Como se não fosse o bastante, na revanche disputada no ano seguinte, o último amistoso antes da Copa, os húngaros mais uma vez não perdoaram: venceram por 7x1. A Hungria era o melhor time do mundo, e só faltava vencer a Copa do Mundo para se consagrarem de vez.

Evolução tática

Taticamente, a Hungria fez o futebol evoluir. Nos primórdios do esporte, em 1860, a Inglaterra jogava com apenas um zagueiro. Em 1872 a Escócia passou a usar dois. Porém, ainda não havia organização tática em campo. Só em 1925 é que o Arsenal do técnico Herbert Chapman começou a jogar com um esquema definido, que ficou conhecido como WM. Três zagueiros, dois meias defensivos, dois meias ofensivos e três atacantes. A disposição dos jogadores em campo formava as letras WM, daí o nome da formação. Devido ao seu sucesso, todos os times passaram a usar também o WM.

Exemplo da formação WM usada pelo Arsenal.

O que Guzstáv Sebes fez foi recuar o atacante central, transformando o 'M' em um 'W'. No caso, o Nº 9, Hidegkuti, que não era forte o bastante pra bater de frente com os zagueiros, jogava como um meia avançado. Como os adversários jogavam com três defensores, o zagueiro central ficava indeciso se saía de sua posição pra marcá-lo (deixando um espaço livre nas suas costas) ou se continuava na sua posição (deixando o adversário dominar a bola com liberdade). Quando a Hungria não tinha a posse de bola, um dos homens do meio recuava, formando uma linha de quatro zagueiros (daí surgiu o termo quarto zagueiro). Foi dessa formação que surgiu o 4-2-4 usado pelo Brasil ao vencer a Copa da Suécia em 1958. Outro ponto de destaque é que os jogadores se movimentavam bastante e trocavam de posição (por isso que Sebes fez seu time treinar muito o condicionamento físico), o que originou o "Carrossel Holandês" dos anos 70.

Posicionamento dos jogadores no "WW" usado pela Hungria

E foi assim que a Hungria estreava na Copa do Mundo de 1954, depois de golear a Inglaterra por 7x1 e estar invicta por 27 jogos nos últimos quatro anos. Os Magiares Mágicos encantavam o mundo e pareciam imbatíveis. O título mundial era mais que provável.

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*O termo magiar refere-se à etnia de origem asiática que formou a Hungria. Em húngaro, magyar é usado também para se referir ao cidadão húngaro.