A seleção americana e seu uniforme que ganhou uma versão parecida em 2010
Era a estreia de um país britânico numa Copa do Mundo. As quatro nações do Reino Unido - Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales - haviam se retirado da FIFA após a Primeira Guerra Mundial, pois não queriam relações com seus inimigos de guerra. Arrogância e orgulho também fizeram parte dessa decisão, pois acreditava-se que o futebol jogado no "continente" era inferior. Após a II Guerra Mundial, os britânicos voltaram a fazer parte da FIFA e a Inglaterra se classificou para a Copa de 1950, no Brasil.
A FA - The Football Association, a federação inglesa - não levava muito a sério a Copa do Mundo. Tanto que, ao mesmo tempo que começava a competição, uma "outra seleção" inglesa foi mandada ao Canadá em uma excursão. A estrela do time, Stanley Matthews - um dos melhores do mundo na época - também foi ao Canadá, para desespero do técnico Walter Winterbottom, que não pôde levar todos os jogadores que queria.
Matthews logo foi liberado para ir ao Brasil, mas não a tempo de jogar a primeira partida. Não teve problema; mesmo sem jogar muito bem a Inglaterra venceu o Chile por 2x0, gols de Stan Mortensen e Wilf Mannion. Por outro lado, os Estados Unidos perderam para a Espanha por 3x1. Os americanos até saíram na frente, mas não conseguiram segurar o resultado e levaram três gols nos 15 minutos finais.
A expectativa era que o time inglês sofresse mudanças para a segunda rodada, mas não foi o que aconteceu. Naquela época, não era o técnico quem escolhia os onze titulares para cada partida, e sim um comitê, que no caso era composto de apenas uma pessoa, Arthur Drewry - este que inclusive foi presidente da FIFA anos mais tarde. Drewry acreditou no "em time que está ganhando não se mexe" e escalou a mesma equipe da primeira partida. Como substituições ainda não eram permitidas, Matthews teve que assistir todo o jogo do banco.
A Inglaterra vinha com uma campanha de 23 vitórias, 3 empates e 4 derrotas no pós-guerra. Os Estados Unidos acumulavam derrotas em sequência, como um 9x0 contra a Itália em um recente jogo treino. Nem os americanos acreditavam num bom resultado - seu próprio técnico, o escocês William "Bill" Jeffrey, havia declarado à imprensa que seu time não tinha chances de ganhar.
Quando a bola rolou, parecia mesmo que seria um massacre. A Inglaterra atacava sem parar, mas, entre bolas na trave, chutes pra fora e defesas salvadoras do goleiro Frank Borghi, o placar não se alterava. Aos 38 minutos do primeiro tempo, algo raro de se ver: os Estados Unidos no campo de ataque. Ed McIlvenny cobra o lateral, Walter Bahr recebe, avança um pouco e manda a bola na área. Na frente do goleiro inglês, a bola é desviada pelo atacante haitiano Joe Gaetjens e vai pro fundo do gol.
Gaetjens faz um improvável gol que não ficou registrado em filme - há apenas fotos do lance
A partir daí, o time americano se animou e passou a jogar com mais confiança. A Inglaterra sufocava na base do desespero, mas Borghi sempre aparecia pra salvar a pátria. Não teve jeito, não era o dia dos ingleses. A partida acabou 1x0 e os americanos foram carregados pela multidão como heróis.
Como jogaram os dois times:
Estados Unidos: Frank Borghi, Harry Keough e Joe Maca; Ed McIlvenny, Charles Colombo e Walter Bahr; Frank Wallace, Gino Pariani, Joe Gaetjens, John Souza e Ed Souza. Técnico: Bill Jeffrey.
Inglaterra: Bert Williams, Alf Ramsey, Jack Aston e Billy Wright; Laurie Hughes e Jimmy Dickinson; Tom Finney, Wilf Mannion, Roy Bentley, Stan Mortensen e Jimmy Mullen. Técnico: Walter Winterbottom.
Os ingleses protestaram que o time americano tinha jogadores de outras nacionalidades. Só entre os que jogaram aquela histórica partida, Gaetjens era haitiano, Maca era belga e McIlvenny era escocês. Porém, todos eles haviam declarado interesse em adquirir a cidadania americana, o que, pelas regras da federação americana, já era suficiente para que pudessem defender a seleção. No final das contas, apenas Joe Maca ganhou a cidadania americana. Os outros foram jogar na Europa.
Na sequência da competição, a Inglaterra enfrentou a Espanha, com quatro mudanças no time - Matthews finalmente fez sua estreia. Mas os ingleses deram vexame novamente, perderam por 1x0 e foram eliminados. Os Estados Unidos também perderam - 5x2 para o Chile -, mas foram pra casa com a sensação de dever cumprido.
Apesar de tudo, o grande feito passou despercebido pela maioria dos americanos. Como o "soccer" não era muito popular, quase nenhum jornal noticiou a Copa do Mundo. Até mesmo os próprios jogadores só foram se dar conta da importância daquela vitória anos mais tarde, quando o futebol passou a ser mais divulgado pela mídia. O time de 1950 foi para o Hall da Fama do esporte em 1976.
Gaetjens, autor do gol da vitória, era um estudante de intercâmbio e trabalhava em um restaurante como lavador de pratos. Em 1964, foi morto de forma obscura no Haiti durante uma rebelião política.
Na Inglaterra também não houve muita repercussão. Na época, os jornais tinham apenas uma página para esportes e, justo naquele dia, a seleção inglesa de críquete havia perdido pela primeira vez na história, para as Índias Ocidentais. Foi colocada apenas uma nota com o resultado da partida de futebol. Detalhe: tão inesperado foi aquele resultado, os jornais publicaram que a Inglaterra havia vencido por 10x1, achando que aquele 0x1 foi um erro de escrita.
A Inglaterra jogou de azul aquele dia. Desde então, eles evitaram usar esse uniforme novamente, tamanha foi a dor daquela derrota. Parece que era moda na época. Afinal, o Brasil também resolveu mudar seu uniforme e não se vestiu mais de branco por causa da derrota para o Uruguai em 1950.
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