sábado, 24 de julho de 2010

O Jogo do Século

Qual seria o jogo do século pra você? Uma vitória do Brasil numa Copa do Mundo? Uma vitória do seu time ao ser campeão? Para os ingleses, o jogo do século (passado)  foi um amistoso em 1953 onde sua seleção foi derrotada. Mas essa partida foi muito mais que um simples amistoso. Foi um marco, um divisor de águas na história do esporte bretão.

Para entender a importância dessa partida, vamos ao contexto da época. Como já mostrei aqui, a Hungria tinha um time fantástico no início dos anos 1950 e ficou quatro anos invicta. Porém, os ingleses só foram ter uma noção do quão forte era essa Hungria no fatídico 25 de novembro de 1953.

O ingresso do jogo / Foto: MagyarFutball.hu

Desde que as regras do esporte haviam sido oficializadas, em 1863, 90 anos haviam se passado. Mesmo com o fracasso na Copa de 1950, acreditava-se na Inglaterra que seu futebol era superior ao resto do mundo. Eles tinham um time com muitos jogadores famosos; o principal deles era o veterano Stanley Matthews que, mesmo aos 38 anos, estava em plena forma e era um dos melhores do mundo. Inclusive, Matthews foi eleito o melhor jogador da Europa aos 41 anos e só se aposentou aos 50. Destaque também para o centroavante Stan Mortensen e o meia e capitão Billy Wright.

Sabia-se que os húngaros eram os atuais campeões olímpicos e não perdiam um jogo há três anos. Apesar disso, nada menos que uma convincente vitória era esperada pelos ingleses. Dez dias antes, a Hungria havia enfrentado a Suécia em Budapeste. Jogando mal, conseguiram apenas um empate em 2x2 e foram vaiados pela torcida. O capitão inglês estava lá e declarou que seu time venceria aquela Hungria sem problemas. A imprensa passou a dizer que o vencedor desse amistoso seria o melhor time do mundo e designou a partida como "O Jogo do Século."

Os ingleses jogariam a partida de suas vidas, onde a única opção era vencer. Por outro lado, para os húngaros, não havia pressão nenhuma pela vitória, o que deixou todos tranquilos. Mas essa tranquilidade quase virou nervosismo ao entrar em campo. Wembley estava lotado com aproximadamente 100.000 pessoas. Para evitar a tensão, o capitão húngaro Ferenc Puskás começou a fazer embaixadinhas no aquecimento, para espanto da torcida - aquilo era algo que eles nunca tinham visto. Assim que começou a partida, o nervosismo não existia mais e os ingleses se espantariam mais ainda. A Hungria jogava seu melhor futebol e abriu o placar aos 43 segundos, com um chute no ângulo de Nándor Hidegkuti. Esse primeiro minuto de jogo mostrou bem o que seriam os próximos 89: um massacre.

Disposição tática das duas equipes

A Inglaterra jogava com o famoso WM (3-2-2-3), que era a formação padrão há mais de 20 anos. A Hungria vinha com uma formação até então desconhecida, uma variação do WM que originou o 4-2-4. O técnico húngaro Gusztáv Sebes preparou sua seleção para explorar os pontos fracos ingleses. Treinou sua equipe por três semanas enfrentando times que simulavam a forma inglesa de jogar. E deu certo: ao contrário do rígido sistema inglês onde os jogadores tinham posições fixas, os húngaros se movimentavam sem parar, o tempo todo. A supremacia inglesa era contestada. Os donos da casa eram derrotados física, tática e tecnicamente.

A Inglaterra até esboçou uma reação após tomar o primeiro gol. Numa jogada de contra-ataque, Jackie Sewell chutou rasteiro no canto do goleiro Grosics para empatar aos 13 minutos. O jogo era muito aberto e a Hungria perdia chances incríveis de marcar. Aos 20, depois de um pênalti não marcado pelo juiz, Hidegkuti pegou o rebote e não desperdiçou: 2x1.

A Inglaterra jogava mal, errava muitos passes e se perdia na marcação. O zagueiro central Harry Johnston não sabia o que fazer. Ele deveria marcar Hidegkuti, mas este jogava recuado, como um meia ofensivo. Quando ia pra marcação, ele deixava espaços nas suas costas. Quando ficava na sua posição, o camisa 9 húngaro tinha liberdade pra armar.

Aos 23 minutos, o gol que Puskás definiu como o mais bonito de sua carreira - ele recebeu a bola na área e, com um toquinho com a sola do pé esquerdo, trouxe a bola pra trás e deixou o capitão inglês no chão. Na cara do gol, foi só chutar pra fazer o terceiro. Lance de gênio.

Veja todos os gols do jogo

Aos 26, Bozsik cobra falta e Puskás desvia, fazendo o quarto gol. A Inglaterra ainda consegue diminuir aos 38, com gol de Mortensen em mais um contra-ataque. No segundo tempo, o massacre continua: Bozsik chuta de fora da área e faz 5x2 aos 5 minutos. Aos 8, Hidegkuti faz o seu hat-trick com um chute de primeira, depois de um passe perfeito de Puskás. Mais um golaço. Em cobrança de pênalti aos 12 minutos, Alf Ramsey diminuiu. E assim seguiu até o final, Inglaterra 3x6 Hungria. A torcida aplaudia de pé o time húngaro enquanto eles saíam de campo.

Essa partida é lembrada como a primeira derrota da Inglaterra pra um time estrangeiro jogando em casa. Porém, eles já haviam perdido para a Escócia quatro vezes em Wembley e uma vez para a Irlanda em Goodison Park. Logo, foi a primeira vez que um país de fora das ilhas britânicas venceu em Wembley.

Pode-se dizer que os ingleses tiveram sorte de terem perdido "só" de 6x3. Foram 35 chutes a gol da Hungria contra apenas 5 da Inglaterra. As palavras de Sir Bobby Robson, apenas um expectador na época, definem bem o que foi a partida: "Era um estilo de jogo que nunca tínhamos visto antes. Não conhecíamos nenhum daqueles jogadores. Não conhecíamos Puskás. Eram todos homens de Marte pra nós. Aquele jogo mudou nossa forma de pensar. Pensamos que íamos destruir aquele time. Nós éramos os mestres, e eles, os pupilos. Foi totalmente o contrário."

 Foto: MagyarFutball.hu

A partir dessa derrota, o futebol inglês mudou. Tiveram que admitir que outro país poderia jogar melhor que eles e que a supremacia de 90 anos não existia mais. O técnico inglês Walter Winterbottom passou a aplicar aos poucos o que havia aprendido com os húngaros. O sistema usado por eles foi evoluindo até chegar ao 4-4-2, que hoje é usado pela maioria dos times em todo o mundo.

Um fato curioso é que a Hungria foi derrotada em todas as outras seis ocasiões em que jogou em Wembley. E na próxima data FIFA onde as seleções farão amistosos, quem é que vão se enfrentar? Inglaterra x Hungria em Wembley, dia 11 de agosto de 2010. Pena que hoje a era de ouro dos Magiares Mágicos é apenas uma lembrança distante...

Referências:
England Football Online - História da Inglaterra jogando em Wembley
História em Jogo - Blog de Mauro Beting, onde ele faz uma análise lance a lance do "Jogo do Século"
Terra Magazine - Entrevista com Grosics e Buzánszky, os únicos jogadores daquele time da Hungria que ainda estão vivos
Wikipédia

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