segunda-feira, 25 de abril de 2011

Entrevista: Wagner Lopes - Parte 1/2

Nascido em 1969, o paulista Wagner Augusto Lopes saiu do São Paulo para jogar no Japão em 1987, quando tinha apenas 18 anos. Lá ele se casou, teve filhos, aprendeu o idioma e se tornou um verdadeiro cidadão japonês. Jogou no Nissan (atual Yokohama Marinos), Hitachi (atual Kashiwa Reysol), Honda FC, Bellmare Hiratsuka (atual Shonan Bellmare), Nagoya Grampus, Tokyo FC e se aposentou no Avispa Fukuoka em 2002. Defendeu a seleção nipônica entre 1997 e 1999, voltou ao Brasil em 2003 e hoje é treinador do Paulista de Jundiaí.

Wagner Lopes no álbum de figurinhas da Copa de 1998

Tiago Bontempo: Como surgiu a oportunidade de jogar no Japão?
Wagner Lopes: Eu já era profissional no São Paulo Futebol Clube. Aliás, toda minha carreira no Brasil, do infantil ao profissional, foi no São Paulo. E eu jogava com o Oscar Bernardi, que foi capitão da seleção brasileira na Copa de 1982. Ele tem experiência em três Copas do Mundo, é um ídolo nacional. Nós jogamos juntos em 1985, 86 e 87 no São Paulo. A gente era muito amigo, ele era uma espécie de "protetor" meu lá. E ele foi convidado pra jogar no Japão em 1987. O treinador da Nissan na época - o Kamo Shu-san, que mais tarde foi técnico da seleção - perguntou pro Oscar se ele não tinha um jovem talento pra indicar pra vir com ele pro Japão. E aí ele me fez o convite: "Wagner, eu vou jogar na Nissan, um time de uma fábrica de automóveis. Você não quer vir comigo?" Na hora eu aceitei e falei: "Oscar, se você pular do décimo andar eu pulo atrás porque eu sei que é coisa boa." Eu tinha uma curiosidade muito grande com a cultura japonesa. Eu gosto muito de ler. Quando tinha 15 pra 16 anos, eu li a biografia do Akio Morita, que é o fundador da Sony. Procure esse livro porque é sensacional pra quem gosta da cultura japonesa. Quando li, eu fiquei apaixonado. E eu gosto muito de histórias de samurai, achava que quando chegasse no Japão, ainda ia achar lá no interiorzão algum maluco que se vestisse de samurai. E assim apareceu a oportunidade, eu falei: "Japão, país da tecnologia..." Fui pra ficar duas, três temporadas; só que a identificação foi tão grande que acabei ficando 17 anos.

Você tinha 18 anos quando foi pra lá, mas não tinha dúvidas que era isso que você queria.
Não, não tinha dúvidas.

Como foi a sua adaptação?
A adaptação foi bem complicada, porque não tinha restaurante brasileiro, não tinha a Globo Internacional, a Record Internacional, não tinha tv a cabo, internet... Você ficava em outro mundo mesmo. E o idioma muito diferente, a cultura muito diferente, o futebol totalmente diferente... Pra você ter uma ideia, os jogadores trabalhavam de manhã na fábrica da Nissan e à tarde nós treinávamos. Só tinha três profissionais: Eu, o Oscar e o Kimura Kazushi, que era o astro, o ídolo do nosso time e da seleção japonesa e hoje é treinador do Yokohama Marinos. Então eu tive muita dificuldade no começo por conta da comunicação, por conta de não falar o japonês. Eu falei: "Eu preciso aprender esse idioma, eu preciso falar." Então, por exemplo, na parte da manhã eu acordava, tomava café às 7 horas e estudava até meio-dia. Aí ia pro treino, que era às 2 da tarde, treinava até as 5, 6 horas, voltava pra concentração e estudava de novo das 8 até as 11. Eu vivia pra jogar bola e estudar.

Isso é interessante porque muitos jogadores e técnicos que vão pra lá não se preocupam em aprender o idioma, estão sempre com o intérprete do lado...
Isso é um grande erro.

Mas você decidiu estudar e aprender.
Eu me sentia muito mal em não conseguir falar o que eu pensava. Não conseguia me comunicar com os companheiros, não conseguia me comunicar no trem, quando ia fazer compras, então pra mim era uma questão de honra falar o idioma. Eu joguei no São Paulo com alguns jogadores que me ajudaram muito nesse sentido. O Falcão, que hoje é treinador do Inter de Porto Alegre, falava pra mim: "Wagner, em Roma como os romanos. Você tem que viver no país como uma pessoa de lá. Você não pode fazer da Itália uma extensão do Brasil. A cultura lá é outra, o idioma é outro; você tem que viver naquele país de acordo com as regras sociais, de acordo com a cultura, com o idioma do país." Então, essa experiência de jogar com atletas que tiveram a oportunidade de jogar fora do Brasil me ajudou muito. Eu já fui pra lá orientado e sabendo exatamente como me comportar. Por exemplo, o Darío Pereyra, uruguaio, vivia no Brasil, e ele gostava muito de mim. Inclusive a minha primeira chuteira importada foi ele quem me deu. E o Darío falava: "Wagner, se eu fosse fazer aqui no Brasil o que a gente faz lá no Uruguai, não ia dar certo. Eu tenho que viver aqui de acordo com as regras daqui." Então isso me ajudou muito. Aprender o idioma, a cultura, respeitar as diferenças... Isso é fundamental pra você conseguir se adaptar em qualquer país.

Só de eles verem que você está aprendendo, está estudando, você já é mais respeitado.
Eles já te tratam com um respeito diferente.

A seleção do Japão em um amistoso em 1998 contra o Egito, em Osaka - em pé, da esquerda pra direita: Nakayama, Lopes, Soma, Saito, Kawaguchi; agachados: Nanami, Oku, Mochizuki, Akita, Nakata e Ihara.

Quando você foi para o Japão, ainda não tinha a liga profissional.
Era amadora a liga.

Quando foi a primeira vez que você ouvir falar da J-League, que estavam criando uma liga profissional?
Eu fui pra lá em 1987. A melhor posição que o Nissan já tinha conquistado foi um quinto lugar. Aí nós fomos campeões da tríplice coroa: A Copa de Verão (JSL Cup), a Tennouhai (Copa do Imperador) e a Nihon League (Liga Japonesa). Em 1989 nós ficamos sabendo de um movimento na federação que estaria preparando um campeonato profissional. Com a ida do Oscar, do Milton Cruz, do Zé Sérgio... Esses jogadores começaram a motivar o público a ir ver futebol, não só beisebol, não só sumô, não só vôlei, enfim... A chegada de grandes astros do futebol mundial começou a atrair a atenção. Aí veio 1990, 1991, 1992... Foi em 1993 que deram o "start" na J-League. Mas no meio do ano em 1992 já tinham os dez times que levantaram a mão e se prepararam. Eram sete itens para conseguir uma vaga na J-League. A federação exigia ter um estádio de pelo menos 15.000 lugares, contratar três jogadores de renome internacional, ter mais ou menos 10 milhões de dólares pra poder investir no time profissional, itens assim. Aí depois de dez times passou pra doze, depois catorze, dezesseis, e agora são dezoito times. Foi uma transição muito trabalhosa, muito lenta, não foi de uma hora pra outra. A fase de elaboração da J-League foi de 1989 até 1993.

O time que você estava na época do início da J-League, o Hitachi, teoricamente tinha sido promovido mas não jogou a primeira divisão...
Ele demorou pra levantar a mão. Demorou pra preparar o estádio, aí acabou indo pra segunda divisão. Eu estava quando nós fomos vice-campeões e subimos pra primeira divisão. Eu, Careca, Nelsinho, Régis e Aílton éramos os cinco estrangeiros que estavam no time profissional. Foi uma festa muito grande em Kashiwa. Meu filho mais velho é nascido lá. Então foi muito bacana essa época de transição do Nihon Sakka para a J-League.

E você estreou na J-League quando estava no Bellmare.
Eu estava no Bellmare, isso.

Wagner fez 48 gols durante as duas temporadas em que jogou pelo Bellmare Hiratsuka

Como foi poder finalmente participar da liga?
Depois de dez anos no futebol japonês, ter sempre passado perto e não ter a oportunidade de jogar era uma frustração... "Todo ano eu faço gols, todo ano eu sou um dos artilheiros da liga, mas não tive a oportunidade ainda de jogar na J-League." Isso dava uma tristeza grande. Mas eu acho que tudo na vida tem a hora certa. Então, com muita força, com muita determinação, com muito trabalho... Chegou uma hora que eu tinha dez propostas, todos os times me queriam. Isso foi motivo de muito orgulho, porque depois de tanta dedicação eu consegui colher o que eu queria.

É verdade que existe ou existiu a tendência do torcedor gostar mais dos jogadores do que do próprio time? Por exemplo, se o ídolo de um time se transferia de clube, os torcedores iam junto com ele.
Aconteceu muito isso comigo. Em todos os times que fui, os torcedores de onde eu já tinha jogado vinham torcer para o meu time. Eles compravam o nenkan tiketto (ingresso anual), lá eles falam "comprar o boleto", aí você estava garantido em todos os jogos em casa. Então eu tenho muitos amigos graças a isso. Não só durante os jogos eu fazia o meu melhor, mas no treinamento dava autógrafo, conversava com os torcedores, tirava fotografia, dava uma atenção mais especial. Isso fazia com que houvesse uma identificação e esses torcedores às vezes viajavam 1000 quilômetros pra ir torcer pelo meu time. Então isso é um motivo de orgulho também, sabe?

Tem alguma outra característica do torcedor japonês que é bem diferente do brasileiro?
Tem. Eu sempre dei muita atenção para o torcedor, porque ele paga o ingresso pra ir ver você jogar, então indiretamente ele paga o seu salário. Às vezes eu estava com a minha família na Disney ou em um restaurante e em 17 anos nunca nenhum torcedor chegou pra mim desrespeitosamente. Eles não vinham falar comigo. Eles iam falar com o maitre ou o garçom do restaurante, perguntar antecipadamente, se depois da minha refeição, se eu poderia autografar, se eu poderia tirar uma fotografia; e eu sempre falava: "Não, fala pra ele vir agora, eu paro de comer, fala pra ele vir agora." Então isso aproximava muito o torcedor de mim. Porque não importava se eu estava cansado, se eu estava triste, se eu estava feliz, se eu estava em um momento privativo com a minha família; eu parava pra atender os torcedores que gostavam de mim. Porque era por causa daquelas pessoas que eu tinha conseguido vivenciar aquilo tudo. Então sempre fiz muita questão, dei muita atenção pros meus torcedores nos clubes que eu joguei. E sempre foi assim: onde eu ia, sempre alguém vinha conversar, bater papo, falar "Eu tô torcendo" e tal. Isso é a melhor motivação que existe pra mim.

E quando foi que você decidiu se naturalizar?
Em 1992, quando o meu filho nasceu, em Kashiwa. E foi tão emocionante, porque eu tinha 23 pra 24 anos, era muito jovem ainda. Quando peguei ele no colo eu senti um orgulho danado de estar vivendo naquele país, de ter aprendido tantas coisas... E na minha cabeça - eu não tinha essa informação das leis -, eu não sabia que teria que levá-lo na embaixada brasileira pra registrá-lo como brasileiro. Eu achava que o meu filho fosse ganhar o passaporte japonês. No Japão é assim: se você for morar lá e o seu filho nascer lá, ele é brasileiro. E é um dos poucos países no mundo que é assim. Pro seu filho ter o passaporte japonês, o pai tem que ser nascido lá, tem que ser japonês. Então, quando peguei meu filho no colo, eu falei: "Você é japonês, você nasceu no Japão. Se eu me naturalizar... Eu gosto tanto deste país, nós vamos ficar aqui o resto da vida." Essa era a ideia. A primeira vez que pensei nisso foi quando peguei meu filho nos braços. E é engraçado porque ele era desse tamanho [mostra o braço da altura do cotovelo até a mão], pus ele assim [nos braços] e fiquei pensando e conversando com ele.

É bom deixar claro que você não se naturalizou pra jogar na seleção, né?
Não, não. Eu me naturalizei por amar o país. Por me identificar com a cultura, por respeitar a forma de pensar, a educação do povo japonês... Sendo bem sincero, eu achava que tinha jogadores muito melhores do que eu pra servir a seleção. Eu não pensava que o treinador fosse me levar pra uma Copa do Mundo. A minha intenção era ficar no Japão com meus dois filhos nascidos lá - o primeiro em Kashiwa e o outro em Hamamatsu -, e naquela época só podia ter três estrangeiros. Se eu me naturalizasse japonês, ia abrir mais uma vaga para o meu time ser forte pra ser campeão. Então, profissionalmente era bom, mas em nenhum momento alguém da federação me convidou pra jogar antes da naturalização, ninguém falou assim: "Se naturaliza que você vai jogar." Muito pelo contrário, não teve nada. Tanto é que eu comecei a naturalização em 1992 e só consegui em 1997. Se é outro já desistia, né?

Ir para a Parte 2

5 comentários:

  1. Mandou bem Tiago. E ainda mais conseguindo entrevista com o artilheiro do final dos bons tempos do meu time. Só foi a crise bater no Bellmare que jogadores como o Tasaka, Natsuka, Badea, Kojima goleiro e o próprio Lopes deixaram o time e acabou que em 1999 fomos rebaixados e viramos a draga que somos hoje... Foda... mas parabéns pela entrevista.. e posta logo a segunda parte que to curioso pakas...

    abraços

    ResponderExcluir
  2. Hi Tiago!
    Sorry just read your message now.
    It's
    calvin.bauzon at gmail.com

    ResponderExcluir
  3. Wagner Augusto Lopes não nasceu em Franca e sim na Fazenda São Pedro- DIstrito de Igaçaba (onde também nasceu o ex governador Orestes Quércia)- Município de Pedregulho- SP

    ResponderExcluir
  4. Wagner Augusto Lopes não nasceu em Franca e sim na Fazenda São Pedro- DIstrito de Igaçaba (onde também nasceu o ex governador Orestes Quércia)- Município de Pedregulho- SP

    ResponderExcluir
  5. Apenas uma correção: Wagner Augusto Lopes não nasceu em Franca e sim na Fazenda São Pedro no Distrito de Igaçaba (onde também nasceu o ja falecido ex governador Orestes Quércia), Município de Pedregulho- SP. Seus pais: Jeronimo Antonio Lopes- natural de Franca e Luzia Ferracini Lopes- natural de São José da Bela Vista. Seus avós:Hermínio Lopes Valadão e Maria Teodora Lopes (Paternos) e Ozílio Ferracini e Natalina Bertelli Ferracini (Maternos)

    ResponderExcluir